quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Um original presente para o Natal

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Em breve as pessoas, ao se olharem levarão enorme susto, pois não se recordarão de quem está diante dela.
Nos restaurantes, nos cinemas, nas ruas e nos barzinhos, todos só têm olhos e dedos para a maquininha fatal.
Nos restaurantes, nos cinemas, nas ruas e nos barzinhos, todos só têm olhos e dedos para a maquininha fatal. (Reprodução)
Por Evaldo D´Assumpção*

Li há poucos dias, que o presente mais desejado – e requisitado – neste Natal, é o smartphone. Nos encartes de jornais, assim como nas propagandas televisivas, multiplicam-se os modelos deste aparelhinho que se tornou, neste início de século, e sem sombra de dúvida, o novo “senhor da história”. Hoje quase não se consegue ver uma pessoa que não esteja com os olhos vidrados em sua  tela, e os dedinhos nervosos, saltitando numa rapidez impressionante em seu teclado virtual. Por isso, um velho e execrável slogan foi atualizado para “amar é dar um smartphone”...

Nos restaurantes, nos cinemas, nas ruas e nos barzinhos, todos só têm olhos e dedos para a maquininha fatal. E digo fatal, porque ela conseguiu, com uma eficiência inigualável, liquidar com quase todos os relacionamentos: amistosos, amorosos e comerciais.

Nas igrejas, os ex-fiéis se esquecem de que Deus não precisa de tais meios de comunicação, e não conseguem desligá-los. Nas sessões do Congresso Nacional, enquanto dois ou três de seus membros debatem calorosamente assuntos de interesse vital para o país, uma boa parte dos deputados e senadores está voltada para seus SPs (assim denomino os smartphones, para economizar palavras. Bem ao estilo das mensagens por ele transmitidas...). Alguns congressistas já foram até surpreendidos assistindo filmes eróticos, certamente enfadados com às tolices esbravejadas pelos colegas, ao microfone...

No seio das famílias, eles até se tornaram instrumentos neutralizador de discussões. Isso porque, cada um no seu SP, não encontra tempo nem interesse para escutar as demandas do outro, que acabará se dedicando também ao seu próprio aparelhinho, encerrando-se as discussões sem que elas sequer se iniciem. O problema é que essa situação tem também seus efeitos colaterais: diálogos construtivos e conversas românticas já não acontecem, pois também foram suprimidas, uma vez que ninguém tem tempo nem disposição para deixar o seu SP.

Nos restaurantes, nos almoços familiares, a conversa se restringe a escolher o prato a ser servido, para logo se dedicarem a fazer joguinhos e trocas de mensagens, vídeos ou textos, geralmente de anedotas, fofocas, ou notícias de última hora, quase todas logo se tornando obsoletas, pois outras já chegaram, desmentindo as anteriores ou sendo mais bombásticas, e por isso mais interessantes. Todavia, como sempre sendo lidas sem qualquer reflexão crítica sobre o que está sendo informado.

Prosseguindo nessa toada, em breve as pessoas, ao se olharem levarão enorme susto, pois não se recordarão de quem está diante dela. Para tentar, pelo menos retardar um pouco essa tragédia, sugerimos a todos que se deem um original presente neste Natal. E com a vantagem de ter custo zero. O presente é uma singela lista de propósitos para o ano novo, qual seja:

1) Aprender e educar-se para somente atender as chamadas que forem referentes a seu trabalho ou assuntos que demandam soluções mais imediatas, deixando aquela grande maioria de mensagens anedóticas, fofocas, e outras sem qualquer serventia prática, para momentos apropriados, fora do local e horário de trabalho, e muito especialmente longe da convivência com outras pessoas.

2) Objetivamente para casais: à noite, deixar os SPs totalmente desligados, só voltando a acioná-los depois do café matinal. Permitir-se então este tempo, para simplesmente usufruir do parceiro. Muitos relacionamentos estão carentes de uma boa conversa. No caso de se estar sozinho, aproveitar este tempo para ler um bom livro, ou para ter um sono reparador, eliminando os pesadelos construídos pelas dezenas de mensagens recebidas pouco antes de dormir.

3) Durante as refeições, e pelo menos na meia hora seguinte, deixar os SPs totalmente desligados. Permitir-se este tempo para degustar o alimento e conversar amenidades com seu eventual acompanhante. E, claro, para não perturbar a digestão com os desastres que serão mostrados.

4) Estabelecer um ou dois períodos no dia, para ver e enviar todas as mensagens, ao invés de fazê-lo a cada vez que for chamado pelos assovios eletrônicos ou outros sons irritantes, usados pelos SPs para escravizar seus usuários. Domine sua ansiedade para vê-las e responde-las.

5) Treinar bastante sua consciência crítica, permitindo-se perceber quando as pessoas que estão com você estão se sentindo incomodadas, desdenhadas, menosprezadas, desrespeitadas, em favor do escravista feitor eletrônico em que se tornaram os SPs.

6) Nunca se aborrecer caso as pessoas expressem o seu desagrado pela sua dependência aos SPs, pois eles são como a nicotina, a cocaína, a heroína ou assemelhados: vicia, mas o viciado sempre acha que não o é, e que o deixa quando quiser. Puro engano! E como os tabagistas, é preciso que saibam: quem reclama, o faz por amor e não por chatice ou implicância.

Este pacote de medidas poderia ser bem mais extenso, diante das desconfortáveis situações que presenciamos hoje, a todo momento, em todos os lugares. Contudo, para não desestruturar totalmente os SPs-dependentes, ele é suficiente para começar uma revolução de bom senso e de respeito ao próximo e, sobretudo a si mesmo, que só trará bons frutos para os relacionamentos interpessoais.

*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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