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O mercado nos joga goela abaixo novidade literária que não é novidade alguma.
Quem lê tanta novidade em país de baixas tiragens? (Reprodução)
Por Ricardo Soares*
Durante oito anos e oito temporadas escrevi, dirigi e apresentei os programas “Literatura” e “Mundo da Literatura” originalmente produzidos para a então rede Sesc/Senac de Televisão e veiculados por outras emissoras educativas em canais abertos e fechados Brasil afora. O programa me deu a rara chance de mapear a produção literária nacional conversando com quase todos os autores nacionais consagrados, os então emergentes e os injustiçados.
Procurei pautar a busca pelos autores pelo critério vago e subjetivo do que considerava boa literatura e não pelo mercado. Isso não quer dizer que não levei ao programa autores do mercado mas não deixei que critérios puramente comerciais pautassem a linha do programa que contava, aliás, com uma equipe eficiente a quem sou grato até hoje.
E por que faço um balanço tardio de um programa que teve sua derradeira temporada em 2005? Justamente por constatar o quão dinâmico é o tal mercado e quanto ele nos joga goela abaixo tanta “novidade” literária que não é novidade alguma. Se me ressinto da ausência dos programas que fazia a essa altura não é por vaidade e sim porque fiquei distante justamente desse movimento editorial que lança joio e lança trigo com uma velocidade insana que mal dá tempo para a assimilação , digamos, dos “novos valores”. Assim sendo nada sei sobre autores – como Julian Fuks e Noemi Jaffe – que surgiram após o fim do programa. Por isso toda vez que não quero dar bola fora a respeito peço consultoria a gente mais antenada com as novas freqüências como a prezada Mirna Queiroz da revista Pessoa.
Diante desse panorama visto da ponte muita coisa pode então ter me passado desapercebida e posso ter cometido erros em meu juízo de valor sobre a recente produção literária nacional. Mas algumas de minhas impressões – hoje de um observador mais desatento se comparado com o profissional que fazia os programas de literatura - são corroboradas por outros autores mais atentos do que eu ao atual panorama. Dia desses, por exemplo, encontrei com o escritor Ronaldo Cagiano em uma livraria em São Paulo e ele concorda comigo que continua a vigorar a lei do mercado nas relações entre autor-editora-mídia e que muito joio é vendido como trigo num universo onde a pretensão dá o tom. Ou seja, não estou sozinho em minhas “incautas” e atuais percepções. Outros autores como Ademir Assunção, Márcia Denser, Roniwalter Jatobá, Nelson de Oliveira e André Sant’Anna pensam parecido embora eu não tenha procuração para falar em nome deles.
Volto a esse tema especialmente por suas questões que me causam grande perplexidade: quem lê tanta “novidade” em país de baixas tiragens? O que de fato tem relevância já que na minha modestíssima opinião muito do que de melhor foi e é produzido anda não só fora do catálogo como não tem a devida divulgação. Cito nomes a esmo que vão dos esquecidos e talentosos Ricardo Guilherme Dicke, Campos de Carvalho a Samuel Rawet passando por Vicente Cecim , os próprios já citados Roniwalter, Ademir Assunção e Márcia Denser a Oswaldo França Jr. , Roberto Drummond , Julio César Monteiro Martins, Joaquim Nogueira, Marco Antonio Lacerda e muitos mais. Repito que lancei nomes a esmo e me desculpo por omissões porque a lista, infelizmente, é grande e como lembrou Cagiano em nosso encontro boa parte dos autores aqui citados sequer foi lida ou assimilada pelos que agora são vendidos como “novidades”.
Criticar as “novidades” não é um gesto rancoroso, pois são elas, afinal, que dão alento ao mercado que precisa ter o que vender. O que me incomoda é que a “novidade pela novidade” seja um critério de excelência quando na verdade é apenas um critério de precedência. Sobretudo porque na maioria das vezes vende-se o tal joio como fino trigo. O pior é não sobrar espaço algum para a reflexão, a leitura atenta e digestão de tantas publicações para tão poucos leitores.
O resultado disso tudo no entanto parece não incomodar grande parte desses “novos” autores que (ao contrário de veteranos escaldados) ostentam seus galardões de “escritores” sem o menor constrangimento e sem ler, sem sequer reconhecer que não inventaram a roda agora e que não deveriam vender como novidade o que é apenas reciclagem. A literatura brasileira contemporânea, por sorte, não começou com eles como querem fazer supor.
Espero que em algum momento exista pois a tal reflexão sobre que tipo de ficção o Brasil está produzindo porque a essa altura- gostaria de estar equivocado – parece que o que anda sendo publicado é bem pior do que o período entre 1998 a 2005 quando eu fazia programas de literatura para a televisão.
* Ricardo Soares é escritor, roteirista, diretor de tv e jornalista. Publicou sete livros e entre 1998 e 2005 escreveu, dirigiu e apresentou programas de literatura brasileira para a televisão.
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