quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Desmatamento encurrala chuva na Amazônia

domtotal.com
Mecanismo pode ter implicações para produtividade da agricultura.
Mecanismo pode ter implicações para produtividade da agricultura. (Divulgação)
Por Claudio Angelo

Há tempos os cientistas intuem que o desmatamento altera o padrão de chuva na Amazônia. Um quarteto de pesquisadores dos Estados Unidos acaba de mostrar de que forma isso acontece. Em estudo publicado nesta segunda-feira (20), eles mostram que, em grandes áreas desmatadas, chove mais de um lado e menos do outro, de acordo com a direção do vento. Essa mudança pode ter consequências sérias para o clima da Terra – e para a agropecuária na região Norte.

O grupo liderado pela física indiana Jaya Khanna, da Universidade Princeton (hoje na Universidade do Texas em Austin), chegou a essa conclusão após analisar 30 anos de dados de um lugar pródigo em grandes áreas desmatadas: o Estado de Rondônia, que já perdeu mais de 50% de suas florestas.

Analisando informações de satélite e cruzando-as com medições feitas em campo e modelos de computador, Khanna e colegas mostraram que o sudeste de Rondônia está em média 25% mais seco nos meses de “verão” amazônico (a estação seca), enquanto o noroeste deve um aumento equivalente nas chuvas nestas últimas três décadas. O trabalho está na edição on-line do periódico Nature Climate Change.

Segundo os pesquisadores, a devastação foi tão extensa que alterou o próprio mecanismo de precipitação no Estado: no lugar da chuva amazônica tradicional, na qual a umidade é inicialmente trazida do Atlântico e a chuva é reciclada pela evaporação que ocorre nas próprias árvores, instaura-se um novo regime, no qual a precipitação é empurrada pelo vento por sobre a área desmatada e a floresta na sua borda.

O resultado é que a barlavento (“vento abaixo”, ou seja, no sentido do deslocamento do vento) chove mais, enquanto a sotavento (“vento acima”) fica mais seco.

“É um mecanismo semelhante, mas não equivalente, ao que acontece quando o mar bate num rochedo na praia”, diz Khanna. Segundo ela, a diferença de altura entre os dois tipos de vegetação – a floresta alta e o pasto baixo – faz com que o ar suba, o que causa o aumento da nebulosidade e da precipitação no noroeste do Estado na estação seca. “O oposto, o afundamento do ar e uma redução nas nuvens e na precipitação, é esperado no sudeste – algo similar, mas não equivalente, a uma cachoeira.”

O curioso é que nem sempre foi assim. No passado, quando predominavam pequenos desmatamentos (de cerca de 1 km) em Rondônia, a quantidade de precipitação aumentou. Isso tem a ver com o calor irradiado pelas clareiras, que subia por convecção e, no alto, se encontrava com a umidade evaporada dos remanescentes florestais. Isso favorecia a condensação.

Até hoje essa dinâmica é percebida em locais da Amazônia onde dominam os pequenos desmatamentos.

Quando as porções desmatadas cresceram para 200 quilômetros de extensão ou mais, no entanto, a situação mudou. A “bomba d’água” representada pelas árvores deixou de existir. No palavreado dos cientistas, a circulação deixou de ser “termodinâmica” (ou seja, induzida pela evaporação) para ser “dinâmica”. “Mesmo que essa chuva seja deslocada para outro lugar, você está encurralando a chuva”, diz Ane Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

“Os modelos de computador já mostravam que desmatamentos grandes reduziam a chuva. O pulo do gato deste estudo é que ele propõe um mecanismo pelo qual isso acontece”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP. Ele é autor de comentário ao estudo na mesma edição da Nature Climate Change.

Segundo Artaxo, o trabalho de Khanna e colegas é “muito relevante”, porque permitirá agora entender exatamente o que acontece em outras regiões da Amazônia que já sofreram desmatamento extenso, como Mato Grosso. De agora em diante, diz, será possível alimentar modelos computacionais com esse processo para prever o que acontecerá localmente em várias situações de desmatamento.

“Entender o mecanismo desses processos é chave para Brasil”, diz Artaxo. “Por exemplo: o meio-oeste brasileiro vai ter a mesma produtividade de soja?”

O cientista da USP e seu colega americano Jeffrey Chambers, da Universidade da Califórnia em Berkeley, também mostram-se preocupados com o que acontecerá com o carbono das florestas que sobraram na metade seca dessa equação. No limite, ele pode acabar na atmosfera, agravando o aquecimento global. “O sistema não é linear. Se num lugar que tem 2.000 milímetros de chuva você passar a ter 3.000 o fluxo de carbono não muda. Mas, se na área seca a precipitação cair abaixo de um limiar, você mata a floresta.”

“O aumento de 25% [na chuva] no noroeste (ou queda no sudeste) da Rondônia desmatada pode ter consequências para a vegetação nessas regiões, seja pasto ou floresta, e pode resultar em mudanças na vegetação dominante e no tipo e frequência dos incêndios no sudeste”, diz Khanna. “Isso deve ser investigado em estudos futuros.”

Boa notícia

A velocidade do desmatamento caiu 82% no bimestre dezembro de 2016-janeiro de 2017, em comparação com o mesmo período anterior. O dado é do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que lançou nesta segunda-feira seu boletim de alertas de desmatamento. Foram 42 quilômetros quadrados desmatados, contra 227 em dezembro de 2015 e janeiro de 2016.

No acumulado desde agosto, início do período em que se mede a devastação (agosto de um ano a julho do ano seguinte), ainda estamos com problemas: neste ano já fora perdidos 1.261 quilômetros quadrados de floresta, 5% a mais que no mesmo período de 2015/2016. Lembrando que no biênio 2015/2016 a devastação já foi 29% maior que no ano anterior.

Observatório do Clima

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