segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Não aprendi dizer adeus: a saudade é um direito humano

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Precisamos aceitar que estamos aqui de passagem e que os outros também estão de passagem. Precisamos lidar com o 'adeus', que não significar negar a falta.
Vamos ter que dizer 'adeus' e também ouviremos outros nos dizerem 'adeus'.
Vamos ter que dizer 'adeus' e também ouviremos outros nos dizerem 'adeus'. Foto (Pixabay)

Por Ana Valéria Proença Xavier e
        Christiane Costa Assis *

Martin Heidegger constatou a angústia humana por saber que a morte é inevitável. Saber que estamos de passagem neste mundo não é algo fácil de lidar e causa um vazio, afinal tudo o que fazemos será deixado para trás com o fim da vida. Mas uma vez que aceitamos a morte como algo natural e inevitável, dizia Heidegger, a angústia vai embora e passamos a experimentar a liberdade. Mas e quanto à morte do outro? Como lidar com a finitude daqueles que amamos? O que fazer com a angústia da saudade?

Alguns preenchem esse vazio com o consumo. Consumo de coisas, alimentos ou mesmo pessoas. Amores que consomem são um mal do Século XXI. O desespero com a própria solidão leva a uma busca angustiante pela “metade da laranja” sem perceber que na verdade somos “a laranja inteira”. E aí as escolhas erradas levam necessariamente a um “adeus” às vezes tão doloroso quanto à morte do outro. Ou talvez a escolha tenha sido certa e o “adeus” veio porque a morte do outro realmente chegou. Em ambos os casos a saudade vai apertar e muito.

O episódio “Be Right Back” da série Black Mirror do Netflix mostra o auge do desespero com a saudade de quem se foi. Diante da morte do amor de sua vida, a personagem do episódio utiliza a tecnologia para “mantê-lo vivo” a qualquer preço. Para tanto, pagou um serviço que simula interações por computador e telefone com o falecido. O serviço utilizava conversas, vídeos, fotos e outros dados para poder imitar até mesmo a voz de quem se foi. Mas isso não foi suficiente para a personagem: acabou encomendando um boneco idêntico ao falecido que, dotado de inteligência artificial, interagia com ela de forma quase idêntica ao ente querido – quase idêntica, pois logo as diferencias se tornaram evidentes e a personagem mergulhou em um novo mar de desespero não apenas pela saudade do amor que se foi, mas também por não saber o que fazer com a cópia robótica dele. Por não saber dizer “adeus”, a agonia da personagem se tornou ainda maior.

Dizer “adeus” não é fácil para nenhum ser humano, pois somos seres gregários por natureza. Gostamos e precisamos interagir com os outros e a tendência natural é se apegar a essa convivência, mas Heidegger estava certo: precisamos aceitar que estamos aqui de passagem e que os outros também estão de passagem. Precisamos lidar com o “adeus”. Vamos ter que dizer “adeus” e também ouviremos outros nos dizerem “adeus”. Isso não significa negar a falta que o outro faz, pois temos o direito à saudade. Não é um direito constitucionalmente previsto, mas que decorre da aclamada – e constantemente reafirmada – dignidade da pessoa humana e ainda do amplo direito à liberdade, pois cada indivíduo é livre para ir (à saudade), vir (da saudade) e permanecer (na saudade). Mas esse direito vem com uma advertência: use com moderação.

*Ana Valéria Proença Xavier é graudanda em Letras pelo Cefet-MG e assistente da Pró-Reitoria de Pesquisa da Dom Helder Escola de Direito. Christiane Costa Assis é mestre em Direito Público pela PUC Minas e professora da Dom Helder.

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