terça-feira, 21 de novembro de 2017

A Física e a Engenharia

Para que serve isto que estou estudando?


A física é uma das ciências mais fundamentais.
A física é uma das ciências mais fundamentais. (Reprodução)
Por Sérgio Vieira*
Durante os quase 30 anos de docência, dos quais os últimos 20 passados no ensino superior, sempre ouvi perguntas do tipo: Vai cair na prova? Tem de copiar? Mas a mais recorrente de todas é: Para que serve isto? Ou sua variação: Quando vou usar isso na minha vida? Das várias respostas possíveis, indo da mais politicamente correta a mais escrachada, gosto de usar duas, que foram lapidadas com a experiência: serve para usar na hora da prova; ou alguém que sabe muito mais sobre engenharia do que eu ou você e está assentado no CREA e/ou MEC disse que se você não souber física não será engenheiro.
Na verdade a resposta é muito mais complexa e demanda um trabalho de conscientização importante para os futuros engenheiros, que na sua maioria tiveram sua curiosidade atrofiada durante sua formação inicial até chegar no curso superior.
Por que estudar física? Podemos destacar duas razões. A primeira, porque a física é uma das ciências mais fundamentais. Os cientistas de todas as disciplinas usam ideias da física, desde os químicos que estudam a estrutura das moléculas até os paleontólogos que tentam reconstruir como os dinossauros caminhavam. A segunda, porque a física é também a base de toda engenharia e tecnologia. Nenhum engenheiro pode projetar qualquer tipo de dispositivo prático sem que primeiro entenda os princípios básicos nele envolvidos. Para projetar uma nave espacial ou uma ratoeira mais eficiente, você deve entender as leis básicas da física.
A principal função do engenheiro, em qualquer especialidade, é resolver problemas: unir dois locais por cima de um rio ou abismo, retirar o petróleo que está a alguns de quilômetros de profundidade, otimizar o tempo de produção de um produto sem aumentar os custos e vários outros exemplos.
A Física é uma área do conhecimento ampla o suficiente para fornecer informações gerais necessárias ao entendimento dos mais variados tipos de problemas aplicados a diferentes situações.  Mesmo que iniciado com os passos simples, vistos durante o curso básico:  desconsidere o atrito e a resistência do ar, as dimensões do corpo não importam; até chegar às situações reais do ciclo profissional: considere o atrito, as dimensões do corpo e sua resistência.
Não devemos nunca nos esquecer também, que além dos conceitos, o rigor matemático é de extrema importância na resolução de problemas. Um pequeno erro pode fazer com que um avião ou ponte caiam ou um prédio desabe. Pode parecer brincadeira, mas um erro de um engenheiro pode ser mais grave que o de um médico, pois a chance de causar um grande número de mortes é muito grande.
São vários os exemplos de acidentes que poderiam ter sido evitados se pequenos detalhes não tivessem sido esquecidos. Aquela desculpa típica: “...eu só esqueci de...” pode ter consequências gravíssimas, é possível citar vários exemplos ao longo da história da humanidade.
A Torre de Pisa, que se inclinou pois a fundação foi imprópria para o tipo de terreno e as soluções adotadas para solucionar o problema não foram eficazes, mesmo no século 20, devido à falta de rigor no estudo das mesmas.
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Em 1919 um grande tanque, com capacidade para mais de 8700 m³ (8,7 milhões de litros ou um pouco mais de 3 piscinas olímpicas) cheio de melaço explodiu em Boston, espalhando o produto pelas ruas gerando uma onda de 3 metros de altura com uma velocidade estimada de 56 km/h, matando 21 pessoas e ferindo 150. O projeto do tanque desconsiderou a dilatação que seria causada pelo armazenamento do produto em uma temperatura maior do que a de construção do tanque, além da alta pressão que forçou as soldas e parafusos.
 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=236987
Em 1981 a passarela de um hotel de luxo, chamado Hyatt Regency, em Kansas City, desabou sobre o lobby do hotel  onde estava ocorrendo uma festa. Este acidente matou 114 pessoas, feriu 216 e custou mais de 200 milhões de dólares em processos. A causa desta fatalidade foi uma simples mudança de projeto para “melhorar o design” e reduzir os custos. Nesta mudança foi alterado o sistema de fixação dos suportes da passarela causando uma sobrecarga nos parafusos de fixação que se romperam.
https://www.exponent.com/about/~/media/1dad6a7c3a0f48208e47bc16e8bb1ad8.ashx?h=230&w=300
Em 1986 um simples anel de borracha usado para vedação de um tanque de combustível se rompeu, pois não foi levado em conta que propriedades básicas da borracha usada para construir anéis de vedação do tanque de combustível se alteravam com a variação da temperatura . Esta foi a causa do acidente que destruiu o ônibus espacial Challenger. Após uma comissão de inquérito trabalhar por vários meses tentando identificar as causas deste acidente, o físico Richard Feynman descobriu essa falha e a mostrou em experimento simples, colocando um dos anéis de borracha em um copo com água e gelo.
https://www.washingtonpost.com/rf/image_1484w/2010-2019/WashingtonPost
Em julho de 1983 um boeing 767 da Air Canada teve que voar como um enorme planador pois ele ficou sem combustível. Este fato que quase provocou um acidente fatal ocorreu devido a um erro de conversão de unidades. O erro cometido ao se abastecer o avião foi na conversão da massa de combustível, a tripulação calculou quantos litros seriam necessários para uma massa de 22.300 libras ao invés de 22.300 quilogramas. Como 1 libra equivale a 0,453 quilogramas, foi colocado apenas 45 % do combustível necessário.
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Existem vários exemplos que mostram como a ciência básica e o rigor na hora de executar os cálculos são extremamente importantes na vida profissional de um engenheiro, por isso pense bem antes de perguntar ao seu professor do ciclo básico: “para que serve isto ou quando vou usar isto?” O que você estudou no ciclo básico e o rigor do seu professor ao não considerar uma questão “quando você só esqueceu ….” irá transformá-lo em um Engenheiro com E maiúsculo.
Fontes consultadas:
http://www.nytimes.com/2010/07/20/science/20lesson.html
https://www.electronicsweekly.com/made-by-monkeys/general-design/engineerings-ten-biggest-mista-2007-07/
http://www.cracked.com/article_19623_6-small-math-errors-that-caused-huge-disasters.html
http://www.worldsciencefestival.com/2014/11/six-tiny-scientific-mistakes-created-huge-disasters/
https://www.thoughtco.com/engineer-vs-scientist-whats-the-difference-606442
http://mentalfloss.com/article/25845/quick-6-six-unit-conversion-disasters
* Graduado em Fisica pela UFMG com mestrado em astrofísica pela UFMG. Doutorado em física pela UFMG com estágio no Observatório de Pulkovo- São Petersburgo, Rússia. Pós doutorado em estrelas jovens pela UFMG. Professor do ensino superior desde 1994, autor de livros de física para o ensino superior e trabalhos na área de divulgação científica.

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