sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A resistência aos 'imigrantes do papa'

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Papa Francisco enfrenta a ira europeia ao pedir que as portas se abram aos estrangeiros.
Papa se limita a sustentar o papel de não contradizer o Evangelho, o qual classifica a acolhida ao estrangeiro como uma obra de misericórdia.
Papa se limita a sustentar o papel de não contradizer o Evangelho, o qual classifica a acolhida ao estrangeiro como uma obra de misericórdia. (Stefano Carofei/ Imagoeconomica)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*

Papa Francisco entra no seu sexto ano de pontificado. Seu governo é caracterizado por algumas palavras-chave, entre as quais se destaca uma: imigrante. Não por acaso, ele dedicou a tradicional mensagem para o dia mundial da paz deste ano justamente ao tema.

O pontífice argentino toca em um assunto bastante sensível para os europeus, que se veem vulneráveis diante da ameaça terrorista. Muitos cidadãos do velho mundo consideram o discurso sustentado por Francisco inconsequente, uma vez que, segundo eles, os terroristas poderiam se infiltrar entre os refugiados para os quais é solicitado abrigo. Na mensagem, o papa fez duras críticas àqueles que se esquivam do problema limitando-se a esse tipo de visão:

“Em muitos países de destino, generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos, enquanto filhos e filhas de Deus. Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia”, enfatizou.

Na Itália, ele divide a opinião pública em um momento no qual se discute a concessão de cidadania italiana através de um sistema legislativo chamado jus solis, cuja naturalização do indivíduo acontece em virtude do território onde ele nasceu - como ocorre no Brasil. Atualmente, na Itália, só se adquire a cidadania através do direito de sangue (jus sanguinis). Sendo assim, caso o jus soli venha a ser aplicado, os filhos de imigrantes nascidos no país passariam a ter os mesmo direitos de qualquer cidadão italiano. O projeto de lei chegou a ser encaminhado ao senado italiano no último dia 23, mas a sessão acabou sendo suspensa pelo presidente da casa, Pietro Grasso, por falta de quórum. Outra questão que irrita os italianos é o discurso de acolhida de Papa Francisco em meio à crise migratória enfrentada pela Itália. De acordo com a convenção de Hamburgo, de 1982, que regula as atividades de salvamento e resgate em alto-mar (SAR), os viajantes em situação de risco devem atracar no porto mais próximo e seguro para recebê-los. A Itália é um dos países que mais tem recebido imigrantes, uma vez que a área de resgate italiana abrange 500 mil metros quadrados, enquanto que os demais países considerados próximos à rota de migração, como é o caso de Malta, corresponde a apenas 250 mil metros quadrados. O presidente italiano, Sergio Mattarella, disse que “a situação é insustentável” e pede intervenção imediata para a atualização das convenções internacionais, de modo que os demais países europeus também possam receber esses imigrantes em massa.

Mas o Papa Francisco, apesar de saber da situação enfrentada pela Itália, jamais poderá interferir em algo que não lhe compete. Ele apenas se limita a sustentar, como líder cristão, o papel de não contradizer o Evangelho, o qual classifica a acolhida ao estrangeiro como uma obra de misericórdia. Não foi à toa que o próprio Francisco, em 2014, renunciando aos privilégios do passaporte diplomático, fez questão de renovar seu simples passaporte argentino, demonstrando com isso que se une às milhares de pessoas que deixam sua terra natal em busca de melhorias ou emigram das regiões de conflito.

 Na Igreja primitiva, os padres da Igreja pediam aos cristãos dotados de posses que acolhessem os “miseráveis”. E os miseráveis, na era de ouro do império romano, nada mais eram que os estrangeiros desprovidos de cidadania romana e excluídos da distribuição de grãos promovida pelo imperador aos romanos pobres. Talvez a insistência do papa se baseie naquilo que moveu os cristãos a não se calarem: a consciência de que o cristianismo deve humanizar as estruturas mesmo que não consiga transformá-las.

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