domtotal.com
À medida que avançamos em direção à Páscoa, torna-se importante revisitar nosso próprio deserto.
A esmola, a oração e o jejum (cf. Mt 6) continuam sendo práticas através das quais motivamos nosso processo de reopção por Jesus e pelo Reino. (Unsplash/ Matthew Henry)
Por Tânia da Silva Mayer*O tempo da quaresma é um convite oportuno para os cristãos e as cristãs repensarem sua condição de seguidores e seguidoras de Jesus Cristo. As liturgias – não todas elas – tornam-se espaço provocador da consciência da fé, convidando – por meio dos ritos, símbolos, textos bíblicos e música litúrgica – à conversão, aqueles que não mais se encontram caminhando os passos de Jesus. A esmola, a oração e o jejum (cf. Mt 6) continuam sendo práticas através das quais motivamos nosso processo de reopção pelo homem Jesus crucificado e pelo Reino de Deus que ele anunciou e inaugurou no aqui e agora de nossas existências. À medida que avançamos em direção à Páscoa, torna-se importante revisitar nosso próprio deserto, a fim de que percebamos os limites de nossas ações que visam contribuir com nossa conversão cotidiana.
O tríptico teológico de nosso processo de conversão tem sido ressignificado a cada dia, de modo que a esmola, a oração e o jejum acabam por receber sentidos novos, que podem acarretar ou não algum prejuízo para a fé, caso não sejam problematizados em tempo. O fato é que tais novos significados tendem a acentuar um materialismo radical, em vistas de um espiritualismo individualista superior. Muitas pessoas vivem esse tempo penitencial com os olhos fixos nos bens materiais, procurando rejeitá-los – sobretudo na linha da alimentação, como expressão de jejum – ou – em menor expressão – doá-los aos pobres e necessitados. Nas duas expressões, o bem material é ponto de partida para se chegar a uma realização de nível espiritual, a conversão.
Nessa esteira, a esmola, a oração e o jejum são pensados transversalmente como ações ou práticas penitenciais. Na contemporaneidade, elas tendem a se assumir como mortificações impostas ao corpo e ao espírito, distanciando-se, dessa maneira, de um sentido mais profundo, contrário ao individualismo e uma materialização espiritualista. Nesse sentido, é sempre oportuno recorrer à tradição bíblica que, já muito antes de nós, ensinou com sabedoria o que se deve fazer para acolher a reconciliação a qual Deus nos chama a ter com ele. Tanto a esmola quanto o jejum devem ser compreendidos como desprendimento de si e abertura ao outro. A esmola, se não pensada estritamente desde um lugar materialista, significa ajuda ao outro e tal ajuda pode se dar em diferentes direções, desde o socorro material até uma escuta sincera, um acolhimento solidário de quem sofre, etc..
Já o jejum não se resume ao que convencionalmente nos acostumamos a viver durante a quaresma, embora também possa possuir o sentido de abdicação excessiva dos alimentos. Mas, à luz de Isaías podemos compreender o jejum que agrada ao Senhor, que nos coloca na esteira da práxis libertadora de Jesus e corrobora nossa vida cristã. Segundo o profeta, o jejum que agrada a Deus é sinônimo da realização da justiça bíblica, isto é, um agir ético-solidário para com aqueles que se encontram marginalizados, os presos, as viúvas, os órfãos, os estrangeiros, os oprimidos, os forasteiros e os indigentes. Agir ética e solidariamente com essas pessoas é, antes, assumir uma postura profética contra a idolatria, que é a mãe da injustiça que oprime e promove a marginalização das pessoas nas sociedades, na bíblica e na nossa.
Por isso, no caminho quaresmal, no qual temos a oportunidade de reoptar pelo discipulado de Jesus Cristo, bem como reorientar nossa escolha pelo Mestre de nossas vidas e cooperar com a graça do alto que O revela como Caminho, Verdade e Vida, deixemo-nos conduzir pela palavra profética que nos ensina nossa contrapartida na relação dialogal que Deus quer ter com as suas criaturas; na esteira da fé bíblica, superaremos os materialismos, espiritualismos e individualismos, que normalmente nos inquietam para práticas penitenciais que não corroboram nossa conversão cristã, muito por furtarem de nós o comprometimento para com a eliminação das situações de menos vida de nossos irmãos e irmãs. Saibamos, a penitência agradável não consiste “em romper os grilhões da iniquidade, em soltar as ataduras do jugo e por em liberdade os oprimidos e despedaçar todo o jugo? Não consiste em repartires o teu pão com o faminto, em recolheres em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes daquele que é tua carne?”
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário