sexta-feira, 13 de abril de 2018

A jurisprudência do STF precisa progredir

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O presente texto pretende demonstrar a necessidade do STF evoluir do ponto de vista jurisprudencial.
Se o Supremo costumeiramente descumpre sua própria súmula, é o caso de recolocar o tema em discussão.
Se o Supremo costumeiramente descumpre sua própria súmula, é o caso 
de recolocar o tema em discussão. (Reprodução)
Por Michel Reiss*

Dessa vez não discutiremos como o STF se posiciona acerca do princípio do estado de não-culpabilidade. O presente texto pretende demonstrar a necessidade do STF evoluir do ponto de vista jurisprudencial, tendo como referência duas súmulas daquela Corte. Isso porque há vários entendimentos sumulados, editados há décadas, que necessitam ser revistos. Mas antes façamos alguns esclarecimentos iniciais.

A súmula vinculante foi inserida na Constituição pela Emenda n. 45, de 2004, conhecida por “Reforma do Judiciário”. O art. 103-A passou a prever que o STF pode editar tais súmulas, que vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta, em todas as suas esferas.

Entretanto, muito antes das súmulas vinculantes, já existiam o que se convencionou chamar simplesmente de “súmulas”. Elas representam o entendimento do Supremo em determinadas matérias e, apesar de não obrigarem as instâncias inferiores, exercem uma indescritível influência em todo o Poder Judiciário. Na prática, a maioria esmagadora dos juízes aplicam tais súmulas sem qualquer tipo de senso crítico ou questionamento.

A primeira delas foi editada em 1963, e trata da expulsão de estrangeiro. A última, de número 736, data de 2003 e aborda a competência da Justiça do Trabalho. Posteriormente passaram a ser editadas as súmulas vinculantes, em razão da alteração no texto constitucional.

Portanto, a súmula mais recente – exceto as vinculantes – já está próxima de completar quinze anos. Diante de tal contexto, impõe-se uma reanálise de várias dessas súmulas, em razão de novas interpretações que surgiram.

Um primeiro exemplo é a Súmula 610, aprovada em Plenário em 17 de outubro de 1984 – portanto há trinta e três anos. Dispõe o referido enunciado: “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. Ou seja, não é necessária a subtração para ocorrer o latrocínio consumado. O Supremo entendeu que a lesão ao bem jurídico vida já bastava para a consumação.

Por outro lado, tem crescido na doutrina posicionamento em sentido contrário, baseado no art. 14, I, do CP, que assim dispõe: “Diz-se o crime: consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Nesse contexto, tem-se que o primeiro elemento da definição legal de latrocínio (roubo qualificado pelo resultado morte) é o verbo subtrair. É o que se convencionou chamar de núcleo do tipo, eis que concretiza qual é a conduta incriminada – e portanto proibida de ser realizada.

Sendo assim, torna-se difícil falar em consumação se o primeiro elemento do tipo não se realizou. Percebe-se que o Supremo privilegiou a caracterização da qualificadora em detrimento do próprio tipo simples.

Assim, é o caso do STF rediscutir a questão após esses trinta e três anos, enfrentando expressamente os mais recentes posicionamentos doutrinários – ainda que conclua pela manutenção da súmula.

Outra exemplo interessante é a Súmula 691, de setembro de 2003. Dispõe o enunciado: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

Em outras palavras, não cabe habeas corpus no STF contra indeferimento de liminar por tribunal superior. Foi uma maneira de tentar diminuir a quantidade dessas ações constitucionais em tramitação naquela corte.

Ocorre que o próprio Supremo Tribunal Federal tem “superado” a sua Súmula com grande frequência, sempre sob o argumento que haveria manifesta coação ilegal. Em artigo por nós publicado em coautoria com o Professor Doutor Tarcísio Mendonça, tivemos oportunidade de mencionar vários exemplos de habeas corpus que “superaram” a referida súmula, inclusive em casos que não discutiam diretamente privação da liberdade (Da desvalorização da jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal: a fundamentação personalista e a ausência da síntese do estado de jurisprudência. In: Enoque Feitosa Sobreira Filho; Rubens Beçak; Rodolfo Viana Pereira. (Org.). Hermenêutica Jurídica. 1ed. Florianópolis: Conpedi, 2015, p. 556-572. Disponível em https://docs.wixstatic.com/ugd/b89448_401d874fcd81400dbe387b001bc146b0.pdf Acesso em 02/04/2018. Vide especialmente p. 567-569 e notas 22 e 23).

A questão é simples: se o Supremo costumeiramente descumpre sua própria súmula, é o caso de recolocar o tema em discussão – ainda que o entendimento seja mantido.

Assim como as Súmulas 610 e 691, vários outros exemplos poderiam ser citados. Mas o ponto crucial é que os entendimentos foram sumulados já há muitos anos, ou décadas, o que torna imprescindível que eles sejam recolocados em pauta de julgamento. Dessa forma, a decisão colegiada deverá sofrer influência de interpretações mais recentes, e finalmente poderá se concluir se as posições tomadas pelo Supremo Tribunal Federal há décadas devem ou não ser mantidas. Enfim, a jurisprudência do STF precisa progredir.

*Michel Wencland Reiss é mestre em Ciências Penais pela UFMG. Doutor em Direito pela PUC-Rio/ESDHC. Ex-Presidente da Comissão de Exame de Ordem da OAB/MG. Ex-Conselheiro Titular do Conselho Penitenciário de Minas Gerais. Membro fundador e Conselheiro Instituto de Ciências Penais – ICP. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado.

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