sexta-feira, 20 de abril de 2018

Liberdade, liberdade!

domtotal.com
Extraordinária potente palavra, de significado pleno.
Guernica, obra de Pablo Picasso
Guernica, obra de Pablo Picasso (Reprodução)
Por Eleonora Santa Rosa*

Liberdade ainda que tardia, liberdade ampla, geral e irrestrita, liberdade de credo, liberdade de pensamento, liberdade de religião, liberdade sexual, liberdade de criação, liberdade de erro, liberdade de acerto, liberdade de fala, liberdade de palavra, liberdade em alto bom tom, liberdade de silêncio, liberdade de ação, liberdade de reclusão, liberdade de participação, liberdade de ficar dentro, liberdade de ficar fora, liberdade de ficar em cima do muro, liberdade do sim, liberdade do não, liberdade de todos, liberdade de um, liberdade do outro,  liberdade de amar, liberdade de ficar, liberdade de não ficar, liberdade de ser muitos, liberdade de não ser ninguém, liberdade de ter, liberdade de não ter, liberdade, liberdade, liberdade. Extraordinária potente palavra, de significado pleno, bem (i)material mais precioso, razão de luta, de conquista, de disputa, de direito, de essência de vida.

Em todos os tempos, essa palavra mereceu tributos de beleza e dor, de aspiração e alcance, de realidade e desejo, de devoção e exaltação, tal qual este extraordinário e magnífico libelo do poeta francês Paul Éluard, canto de amor desmesurado, épico, que sobreviverá aos anos, em belíssima tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira:

Liberdade

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

 Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome 

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

 Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

 Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
De meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

*Jornalista e produtora cultural.

Nenhum comentário:

Postar um comentário