sexta-feira, 22 de junho de 2018

Alegria no cristianismo

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A alegria cristã é um modo de ser no mundo pelo qual se fez a experiência do amor de Deus.
A alegria cristã faz manter viva a esperança que será orientação para a superação das dificuldades.
A alegria cristã faz manter viva a esperança que será orientação para a superação das dificuldades. (Reprodução/ Pixabay)
Por César Thiago do Carmo Alves, FMI*

A alegria é uma marca cristã. Ela tem sua fundamentação nas Escrituras. Percorrendo o itinerário bíblico, desde o Antigo Testamento, pode-se constatar a sua presença. Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se ao Messias esperado, saudando-O com regozijo: “Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo” (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo com cânticos: “Exultai de alegria!” (12, 6). A quem já O avistara no horizonte, o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: “Sobe a um alto monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém” (40, 9). A criação inteira participa nesta alegria da salvação: “Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados” (49, 13). Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega “humilde, montado num jumento: ‘Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso’” (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa” (3, 17). É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: “Meu filho, se tens com quê, trata-te bem (...). Não te prives da felicidade presente” (Sir 14, 11.14).

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Na literatura neotestamentária também se pode constatar a presença da alegria nos textos sagrados. O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria. Apenas alguns exemplos: “Alegra-te” é a saudação do anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico, Maria proclama: “O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 47). E, quando Jesus começa o seu ministério, João exclama: “Esta é a minha alegria! E tornou-se completa!” (Jo 3, 29). O próprio Jesus “estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo” (Lc 10, 21). A sua mensagem é fonte de alegria: “Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11). A nossa alegria cristã brota da fonte do seu coração transbordante. Ele promete aos seus discípulos: “Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há de converter-se em alegria” (Jo 16, 20). E insiste: “Eu hei de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16, 22). Depois, ao verem no ressuscitado, “encheram-se de alegria” (Jo 20, 20). O livro dos Atos dos Apóstolos conta que, na primitiva comunidade, “tomavam o alimento com alegria” (2, 46). Por onde passaram os discípulos, “houve grande alegria” (8, 8); e eles, no meio da perseguição, “estavam cheios de alegria” (13, 52). Um eunuco, recém-batizado, “seguiu o seu caminho cheio de alegria” (8, 39); e o carcereiro “entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus” (16, 34).

É tendo no horizonte a alegria como marca caraterística presente nos textos sagrados que o Papa Paulo VI, na exortação apostólica Gaudete in Domino, de 09 de maio de 1975, afirmava que “da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído”. Essa alegria é para todos indistintamente. O Papa Francisco na exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 24 de novembro de 2013, refletindo sobre a alegria cristã diz que

Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias (n.6).

Com esse pensamento do Papa Francisco fica evidenciado que a alegria cristã é um modo de ser no mundo. Um modo pelo qual se fez a experiência do amor de Deus. Ela não exclui as possibilidades de tristezas. No entanto, a alegria cristã faz manter viva a esperança que será orientação para a superação das dificuldades. Sua presença nos povos é notória. No continente latino-americano ela se mostra bastante presente. Num continente assolado por tantas desigualdades sociais, por tantos discursos fascistas que ultimamente tem-se ouvido, diante de tantas posturas de conservadorismos do ponto de vista da fé que não está em consonância com o Evangelho, mesmo assim pode-se observar pessoas nas diversas comunidades eclesiais que nutrem uma esperança, pois sabem que o tempo messiânico já fora inaugurado de forma definitiva em Jesus Cristo, razão da nossa alegria. Alegria e esperança constituem, nesse sentido, num binômio que nutre a vida cristã. Tal binômio conduz à festa. Desse modo, a liturgia ocupa um lugar central. É como afirmou o Concílio Vaticano II (1962-1965), fonte e cume da vida cristã. É nela que a alegria e a esperança se fazem celebração.

Partindo da Palavra de Deus, do encontro pessoal com Jesus e das relações humanas é que a alegria cristã se consolida. O abandonar-se no Deus da alegria constitui condição de possibilidade para vivenciá-la, pois é no próprio Senhor que se encontra o seu referencial. Abandono e confiança movem o coração de quem espera de forma perene no Senhor. A alegria cristã pessoal influencia na vida da comunidade. Colabora para que seja uma comunidade alegre. A alegria cristã vivida de maneira comunitária impulsiona a mesma comunidade para ir ao encontro dos que mais sofrem, levando acalento. Fazendo com que as pessoas sofredoras possam participar dessa mesma alegria. Nesse sentido, se constitui numa Igreja em saída, em busca de uma alegria cristã que seja plena, haja vista que essa plenitude é uma tarefa a ser cumprida, pois enquanto houver uma pessoa que sofre, a alegria cristã não se plenificará.

*César Thiago do Carmo Alves pertence à Congregação Religiosa dos Filhos de Maria Imaculada (Pavonianos). É doutorando e mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). É graduado em Filosofia pelo ISTA e Teologia pela FAJE. Possui especialização em Psicologia da Educação pela PUC Minas.

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