quinta-feira, 14 de junho de 2018

Um monge irlandês traz um novo respiro de vida à arte litúrgica em Toronto

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Irmão Emmaus O'Herlihy com sua representação de São José e do menino Jesus.
Irmão Emmaus O'Herlihy com sua representação de São José e do menino Jesus. (Fotos cedidas pelo Irmão Emmaus O'Herlihy.)
Por Dean DettloffJ

“Nesse personagem, havia uma sensação real que intimidava. E pensei, posso fazer essa pessoa parecer mais amigável?”, diz o Irmão Emma O’Herlihy, um monge beneditino irlandês conhecido por suas pinturas litúrgicas vívidas, enquanto passa as mãos pela tela de uma impressionante imagem de São João Batista. “E não importava o que eu fizesse, ele simplesmente não estava se mexendo, como se estivesse dizendo: 'Não preciso sorrir, obrigado'. E eu não consegui forçá-lo”.

“Pensei: 'Não, não, eu sou a pessoa que está viva aqui, você é apenas uma pintura!' Mas não havia nada disso. Esse homem estava no controle”.

O irmão O'Herlihy diz que suas pinturas, que não são destinadas a galerias, mas a espaços de culto, devem inspirar um diálogo de oração com os espectadores. Mas o diálogo começa a partir do momento em que estende a tela, trabalhando não apenas com gesso, tintas e impressão, mas também com temas e figuras espirituais que quer se descrever.

“Essa é a questão sobre esse rosto. É um rosto destemido e sensível”. Mas também diz olhando a pintura, "Vou ter que te cortar a cabeça, porque você me irrita".

Quando o irmão O'Herlihy deixou sua abadia na Irlanda para estudar teologia na Universidade de St. Michael's College, em Toronto, ele já havia sido um cartunista de sucesso no The Irish Times e passou uma década como artista nos Estados Unidos. Depois de um tempo dedicado de meditação e exploração artística acabou indo a Glenstal Abbey, na Irlanda, foi a pintura, diz ele, que o levou à teologia.

A reflexão teológica não é apenas algo que fazemos sobre a arte, diz ele. A arte em si é teologia. Ele menciona o trabalho do teólogo Bernard Lonergan, S.J., que passou parte de sua carreira em Toronto e deixou uma marca palpável lá no seminário. "Lonergan definia a teologia como mediadora entre uma matriz cultural e o significado da religião nessa matriz: Isso para mim é o que a arte faz".

Além de mediar símbolos e cultura, no entanto, o irmão O’Herlihy descreve uma qualidade quase mística para as imagens que ele canaliza. “Tem que vir de alguma coisa - seja uma preocupação ou uma atração, ou algo que vem de uma emoção que é informada por um impulso religioso ou espiritual, uma fome. Assim, essas imagens se sugerem na pintura e, mais tarde, tento entendê-las para que eu mesmo possa falar e aprender com elas”

Parte do desafio de fazer arte religiosa, diz ele, é lutar contra o que ele chama de tendências “pós-modernas” no mundo da arte, como usar o humor, a ironia e a crítica para fazer uma declaração ousada sobre religião. Embora ele ache que essas afirmações podem ser importantes e necessárias, aponta que as pessoas também precisam ver sentimentos religiosos e ideias expressas com autenticidade e sinceridade.

Liderar com sinceridade, no entanto, não significa que as pinturas do irmão O'Herlihy não possam fazer suas próprias declarações ousadas. Sua paleta de cores - "queimado de cor de terra, escuro, queimado no queimado, um pouco de azul agora" - inclui aquelas cores, pesadas com significado simbólico, tradicionalmente usadas em pinturas e iconografia antigas. Antes de pintar na tela, o artista empilha camadas de gesso para esconder os dentes do tecido, e raspa a superfície com uma lixa e uma espátula. Uma figura surge através de "grandes penas de tinta" em vez de pinceladas; O irmão O’Herlihy acredita que a pintura acabada se funde com a tela, a coisa toda aparecendo "como a pele desgastada em que vivemos".

Parte de sua abordagem é uma insistência na encarnação e no lado corporal da vida humana, que ele diz se perder em algumas pessoas cercadas por corpos humanos idealizados nas igrejas. "Eu cresci em uma tradição de santos de porcelana, acreditando que poderia identificar o que é sagrado com personagens puros e de boa aparência", diz ele. Mas os belos corpos santos que ele encontrou o fizeram sentir como se a santidade fosse inatingível, já que seus corpos eram diferentes de qualquer um que ele conhecesse.

“Acho que trabalhar contra essa tradição é algo que essas pinturas também representam para mim”, diz o irmão O'Herlihy. “Ele tenta trazê-lo de volta para algo verdadeiro de uma tradição católica ou cristã. Essa sensação de ser ‘nudus nudum christum sequi’, ‘nus para encontrar o Cristo nu’, ou, em outras palavras, que nossa salvação vem da carne".

Em nossa “matriz cultural”, o irmão O’Herlihy diz que precisamos ter uma “fluência visual” que nos permita falar confortavelmente com imagens que dizem algo para o nosso tempo hoje. O’Herlihy se lembra de um homem que disse que ver imagens como as que ele criou o fez se sentir "empoderado" porque poderia se identificar em imagens destinadas ao uso litúrgico.

"Não tenho medo dessa imagem", o irmão O'Herlihy se lembra dela dizendo. "Eu não tenho medo de pensar de maneira diferente sobre minha tradição religiosa por causa disso". O homem se sentiu excluído dos espaços religiosos ao longo de sua vida.

Se eles fossem avaliados com base em critérios tradicionais, diz o irmão O’Herlihy, as figuras que pinta não seriam identificadas como imagens iconográficas da santidade. “Mas por causa disso, acho que eles falam com uma geração atual que não precisa disso; que precisa de algo que diga: ‘Sim, você pode ser essa pessoa’".

Embora ele queira desafiar a forma como pensamos sobre os santos, a nós mesmos e a Deus, o irmão O'Herlihy também quer aproximar os cristãos de partes da fé que confortam os aflitos e afligem os que se sentem à vontade. "Nossa tradição continua falando sobre aquele que é ignorado, aquele que é banido, o impotente, o pobre, a garota grávida", diz ele.

“A garota grávida”, pela qual o irmão O’Herlihy representa a Virgem Maria, é o tema de outra de suas pinturas recentes, “O Magnificat Vermelho”, que ele descreve como a culminação de sua educação e prática artística no Canadá. A pintura começou a se formar enquanto estava refletindo sobre a ideia, popular entre os estudiosos da Bíblia, de que Maria teria entre 12 e 14 anos no tempo da Anunciação. Durante um canto do Magnificat no mosteiro, ele achou estranho que as imagens da Anunciação fossem frequentemente “aconchegantes” e perdessem o lado escandaloso da história - uma moça solteira que, hoje, muitos veriam como um fracasso ou uma decepção.

Enquanto ele continuava a pensar sobre o desafio de retratar a Virgem Maria sendo jovem, encontrou uma instalação de arte chamada "The REDress Project", do artista Jaime Black. A exposição exibe vestidos vermelhos vazios em cabides para representar as mais de 1.000 mulheres e meninas indígenas desaparecidas e assassinadas no Canadá nos últimos 30 anos, uma questão que provocou uma investigação governamental repleta de conflitos internos. O inquérito deveria terminar no final de 2018, mas agora está buscando uma extensão.

"Eu pensei: 'Meu Deus, isso é realmente angustiante.' Foi incrível ver como esse artista combinou essa imagem de ausência e presença como um lembrete, mas também para chamar a atenção para uma injustiça", diz o irmão O'Herlihy, enquanto estava lendo sobre o colonialismo no Canadá, um processo no qual a Igreja Católica desempenhava um papel significativo e sobre os desafios da reconciliação com os povos indígenas.

Refletindo sobre as jovens que foram esquecidas e ignoradas por grande parte do Canadá, ele pensou no canto de Maria, no Magnificat e em seus temas de justiça social. "Deve haver alguma maneira de podermos trazer isso para um ambiente litúrgico, em um lugar de oração", ele pensou, levando-o a pintar Maria como uma garota indígena em um vestido vermelho.

“Essas mulheres e meninas indígenas não são esquecidas por Deus. Elas são tão sagradas na memória como Nossa Senhora é... Isso é muito difícil de articular, mas quando você o vê em uma pintura eu acho que faz alguma coisa”. O irmão espera que a pintura fique onde as pessoas possam lembrar, em oração, as mulheres e meninas indígenas desaparecidas e assassinadas.

“Meu trabalho de doutorado é descobrir como a arte litúrgica hoje pode ajudar uma comunidade de fé participar ativamente da liturgia”, diz ele. Para o irmão O'Herlihy, a liturgia é um espaço de oração, mas um espaço de oração que está sempre aberto ao mundo.

De reimaginar a tradição artística do cristianismo até trazer as injustiças do mundo para a oração, a pintura do irmão O’Herlihy encoraja novas possibilidades para a vida litúrgica, onde os participantes podem encontrar os santos como próximos, em toda sua carne e sangue. Ora convidados pelo olhar de João Batista, ora chamados por Nossa Senhora como uma jovem indígena em um vestido vermelho, suas pinturas sugerem que talvez nós também possamos nos tornar santos através do diálogo desafiador e orante.

America the jesuit review.Traduzido por Ramón Lara

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