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O tempo da pausa é necessário, para que as coisas se assentem, e aquilo que foi feito, tenha sentido.
O convite de Jesus para o tempo do descanso tem muito a nos dizer, em nosso ritmo cotidiano. (Reprodução/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*
Após terem sido enviados por Jesus, para o exercício da missão de anúncio do Reino de Deus, os discípulos se reúnem junto ao Mestre, para um balanço de todo o trabalho feito, por meio das palavras e obras, tal como o próprio Jesus fazia. O olhar atento de Jesus pousa sobre os seus discípulos, e o Mestre convida os seus seguidores mais próximos para um retiro de descanso: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31). O mesmo versículo atesta que chegava tanta gente, que Jesus e seus discípulos não tinham tempo sequer para comer.
O texto continua a narrar que, ainda assim, as multidões reconheciam Jesus e os discípulos, e acorriam a eles de todas as cidades. Jesus, olhando para a multidão, compadeceu-se dela, pois aquelas pessoas pareciam ovelhas sem pastor. Passou a ensiná-las. O texto omite, no entanto, qualquer referência a respeito da ação dos discípulos, após a exortação de Jesus, para que descansassem. Parece, pois, que os discípulos ouviram a exortação feita por Jesus.
Descansar é preciso. O tempo da pausa é necessário, para que as coisas se assentem, e aquilo que foi feito, tenha sentido. Uma das características de nosso tempo é que somos treinados e condicionados para executar tarefas. Tarefeiros que não param. Se pararmos, um pouco, para refletir, quais coisas temos feito e que estamos conscientes dos processos de feitura e do sentido do fazer? No mais das vezes, arrisco dizer, atuamos no automático. Por exemplo, na volta para casa, reparamos no caminho, fazemos escolhas de trajeto, ou apenas seguimos, orientados por uma espécie de pulsão interior que nos faz trilhar sempre o mesmo caminho?
O convite de Jesus para o tempo do descanso tem muito a nos dizer, em nosso ritmo cotidiano. No que se refere ao doméstico, ao trabalho, aos estudos e, inclusive, à vida religiosa. Só quem para, quem se permite descansar, é capaz de saborear as tarefas que precisa cumprir. De que adianta correr para juntar tesouros que a traça corrói, se aquilo que realmente importa, que é uma vida de qualidade e com sentido, passa em vão?
Parar para o descanso, em meio a árdua tarefa de dar conta da vida, com todas as suas demandas, é uma opção por não nos perdermos no sem sentido. Na cultura pop, os zumbis estão em alta: talvez seja um reflexo da vida que temos levado. Escravizados por uma rotina que nos exaure, nossos olhos acabam por se tornar opacos ante aquilo que o mundo tem de belo a ser contemplado.
É preciso não nos recursarmos a ir ao deserto, lugar do encontro conosco mesmos, para descansar da própria vida, que está sempre reclamando nossa atuação e disposição. Compartilho um poema, publicado em Imprevisto, chamado “operários de outro país”. Oxalá tal poema nos desperte para a importância de não ceder à tentação do não-repouso:
os reféns estão dispostos
no descampado, indianamente
enfileirados, para dar
início às lidas cotidianas.
o sol nasce, ainda é cedo,
os capatazes observam,
vigilantes.
os diplomados batem no peito,
renegando suas misérias.
os desafortunados sequer levantavam
os olhos. todos gados tangidos.
marcam ponto os assalariados:
tudo para serem controlados, são número.
ao findar o dia, não só o céu
está escurecido. o cansaço vitima,
lateja.
adormecem os operários,
não sem antes cumprirem a lei natural.
– são fiéis à fé que professam.
confiam em deus, mesmo em sonho.
não suportam que a vida seja breve.
pululam o mundo. repetem a trama.
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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