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Ele não precisa ser perfeito, mas sua presença é inadiável e imperativa.
Muitos bons homens, ao longo da história, foram reis terríveis. Muitos homens maus foram bons reis (Reprodução)
Por Flávia Leão*“‘A Song of Ice and Fire’ (Uma Canção de Gelo e Fogo) é uma série de fantasia, mas chamá-la assim é eufemismo, porque também é uma história sobre poder, família, ambição e história, tanto em micro quanto em macro escala, um mito que, por mais fantástico que seja, sempre ressoa em nosso mundo temporal.”
Talvez esta frase da excelente matéria publicada pela The New York Times Style Magazine explique o fenômeno da aclamada série de livros escrita por George R. R. Martin. O primeiro livro, Game of Thrones (A Guerra dos Tronos), foi publicado pela primeira vez há mais de vinte anos, em 1996, e hoje, em 2018, continua mais do que atual.
Grande fã de J. R. R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, a obra de Martin está enquadrada na categoria chamada “alta” fantasia (ou fantasia “épica”), assim denominada porque seus autores dentro de suas histórias, criam um mundo a parte, terras que não habitamos na vida real, línguas que não falamos em nenhuma parte do globo. É o oposto da chamada “baixa” fantasia, como é o caso de Harry Potter, outro fenômeno, de autoria de J. K. Rowling, já que Harry e seus amigos, quando estão fora de Hogwarts, sua escola de Magia e Bruxaria, habitam uma terra muito semelhante à nossa.
E é aqui que entra o sucesso e a grande “sacada” de Martin. Ele misturou os dois tipos de fantasia, a alta e a baixa. Vejam o que diz Charles Yu, que assina a matéria em questão:
“Embora a série seja considerada relativamente alta fantasia, uma das realizações significativas de Martin foi combinar os dois reinos, criando um novo gênero que depende da flexibilidade de um mundo de alta fantasia, mas escrito a partir de uma lente de baixa fantasia, com um realismo que fundamenta a história em emoção humana e psicologia. Cada um dos capítulos de Martin é contado através da perspectiva de um personagem diferente, permitindo ao leitor seguir a história não de um narrador de conto de fadas onisciente, mas de uma voz que parece verdadeira para a época. Os locais de Westeros (continente inventado por Martin) não são clareiras arejadas, campos ou castelos no céu; eles são bordéis e casas de cerveja cheias de cantos escuros e sujos. Mesmo quando há castelos, eles não são abstrações - eles são salas de estar de personagens.”
E Yu ainda acrescenta um trecho de uma entrevista de Martin, na qual ele diz: "Tolkien queria fazer uma mitologia para a Inglaterra, [...]. Eu queria tornar meu mundo mais completo e mais realista. Tolkien diz, após o fim do "Senhor dos Anéis", "Aragorn [um dos principais protagonistas] é o rei e ele governou sabiamente e bem por cem anos", ou o que seja, mas o que isso realmente significa? Muitos bons homens ao longo da história foram reis terríveis. Muitos homens maus foram bons reis. É claro que agora vivemos em um tempo em que temos um homem mau que também é um mau presidente ”.
E é assim que Martin escreve sobre política sem escrever sobre política, através das intrigas das várias Casas do Westeros, sem a moralidade entre o bem e o mal de Tolkien e sua Terra Média. Até pessoas consideradas boas em Game of Thrones, como Ned Stark e Daenerys Targaryen, cometem erros terríveis, dizem e falam o que não deviam e sofrem as consequências disso. E quando se trata de governantes, Martin acrescenta: “Eu acho que uma sociedade precisa de heróis. Eles não precisam ser perfeitos.”
No dia 28 de outubro iremos novamente às urnas escolher entre dois candidatos e, assim como as personagens de Martin, Bolsonaro e Haddad não são completamente bons ou maus, mas só Deus sabe que o Brasil precisa urgentemente de um herói.
*Flávia Leão é advogada e jornalista
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