quarta-feira, 17 de outubro de 2018

The Romanoffs - realeza e vida real

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Cutucar o misto de admiração, terror e mistério que a simples menção ao nome Rússia causa em qualquer um: é outro gatilho que a série dispara sabendo bem em que alvo mira.
A série é uma leva de contos sobre pessoas que são ou acreditam ser descendentes dos Romanov.
A série é uma leva de contos sobre pessoas que são ou acreditam ser descendentes dos Romanov. (Divulgação)
Por Alexis Parrot*

Tudo começa muito bem em The Romanoffs - a nova empreitada televisiva de Mattthew Weiner, o consagrado criador de Mad Men. A abertura da série é um exercício virtuosístico de imaginação que, graças à sua realização impecável em todos os aspectos, convoca com vigor o engajamento do telespectador já à primeira vista.

Serão oito episódios independentes, os dois primeiros disponíveis desde sexta passada no serviço de streaming Amazon Prime. A premissa do programa é desenvolvida em uma leva de contos protagonizados por pessoas de diversas nacionalidades, situadas em várias partes do globo, que são ou acreditam ser descendentes da dinastia russa Romanov, defenestrada do poder pelos bolcheviques de Lenin em 1917. "Uma linhagem, oito histórias", como defende o slogan da produção.

A troca do sufixo "ov" do nome russo original pelo "off" inglês (indicando desconexão ou distância) no título, dá uma pequena dica do terreno em torno do qual as narrativas da série pretendem gravitar. 

Em um tempo onde as identidades nacionais estão sendo colocadas à prova diariamente, (quer seja por tratados de coalisão político-econômica transnacionais, por disputas étnico-religiosas, ou ainda pela ascensão perigosa dos valores defendidos pela direita ultranacionalista mundo afora), é natural que o indivíduo volte-se para qualquer tentativa de reencontro com suas raízes familiares - reais ou imaginadas, pouco importa.

Ao eleger o tema que molda The Romanoffs, Weiner captura bastante do zeitgeist de nossos dias e ainda recupera a discussão de certa aspiração social, inaugurada na época da Revolução Francesa, porém, em vigência ainda hoje.

Trata-se de um lugar comum pequeno-burguês, a contradição do desejo de liberdade em paralelo à satisfação de sentir-se conectado de alguma maneira ao poder.

Não é preciso viajar muito longe para entender o quão acurada é a tese. Aqui mesmo em nosso país, quantos não são os desavisados a apoiar um retorno improvável da monarquia? Ao legitimar um interesse que, por lógica, beneficiaria somente os próprios membros da casa real nacional destituída em 1889, estes anacrônicos seres revelam uma triste vocação para o servilismo em pleno século XXI.

É a impressão sonhada de tornar-se mais nobre só por estar, idilicamente, próximo à nobreza. Diferente dos personagens da série de Weiner, por não guardarem nenhuma relação (senão a de vassalagem pura e simples) com os Orleans e Bragança, os nossos monarquistas acabam

significando bem menos que um triste e atrapalhado exército de Brancaleone.  

A grandiloquência de tratamento parece cair bem - afinal, estamos falando de czares, príncipes, duques e congêneres e também sobre o impacto que este tipo de gente tem em nosso imaginário, não importa se por imposição da história, dos contos de fada ou do mercado, sempre interessado em um consumismo massivo, catapultado à estratosfera pelas princesas da Disney.

Sem a arrogância de filmes como 360 ou Babel, o mosaico global que a série pretende costurar para endereçar uma pauta que está na ordem do dia, só pode ser bem-vindo - ainda mais misturado com uma história de apelo popular tão forte e longevo. 

A saga da família real Romanov não termina com a execução do Czar Nicolau II, a mulher. Alexandra, e os filhos durante o calor da Revolução Russa. Grassam relatos de que pelo menos a princesa Anastasia teria sido poupada da carnificina e pairam dúvidas ainda hoje se a princesa Olga e o caçula, o príncipe hemofílico Alexis, também não teriam conseguido escapar.

Anastasia já rendeu filme com Ingrid Bergman e Yul Brynner, desenho animado, inúmeros livros e até um musical em cartaz na Broadway. Sobre o príncipe, até o final dos anos 80, a polícia secreta da Alemanha teria localizado pelo menos 50 homens por toda a Europa que acreditavam ser o herdeiro sobrevivente da coroa russa.

Até o Brasil teve o seu Romanov perdido. Um torneiro mecânico aposentado do interior de Goiás passou a vida autoproclamando-se aquele adolescente que só conseguia uma pausa das dores causadas pela hemofilia com as massagens que Rasputin lhe administrava.

Curiosamente, não há registros de que o goiano fosse hemofílico.

O assunto é fascinante e nunca deixou de reverberar. Nem mesmo este colunista escapa de ter alguma ligação com a história. Por sugestão de minha avó materna (certamente atacada por anseios de grandeza e de realeza), fui batizado em homenagem a Alexis Romanov - o príncipe, não o torneiro mecânico. Este morreu sem ver reconhecida a identidade russa e o título de nobreza que reclamava.

Adicione-se a isso tudo o novo protagonismo russo que encontra nas estripulias de Putin sua expressão maior. Para um país que parecia fadado ao fracasso pós-queda do Muro de Berlim e pós-esfacelamento da União Soviética, assumir com tamanha força um lugar decisório nas grandes discussões geopolíticas do mundo é um passo e tanto.

Cutucar o misto de admiração, terror e mistério que a simples menção ao nome Rússia causa em qualquer um - em especial ao público norte americano - é outro gatilho que a série dispara sabendo bem em que alvo mira. 

Seria a série certa na hora certa - mas algo desandou no meio do caminho.

O ótimo inicio estampado na abertura (luxuosa, seca e premonitória) dá lugar a um tubo de ensaio vazio.

O primeiro episódio começa promissor mas, ao eleger um conflito de xenofobia na Paris contemporânea entre uma ex-duquesa e sua cuidadora muçulmana, apenas brinca de falar de política - para dar relevo a uma historinha de amor mais mequetrefe que aquelas dos livrinhos de banca de jornal Julia e Bianca.

O segundo episódio é mais esdrúxulo ainda. Coloca a questão da descendência em um plano completamente coadjuvante (e desnecessário) para abraçar uma homenagem ao cinema noir que resulta pífia e sem coração.

A crítica norte americana que já assistiu ao terceiro episódio, protagonizado por Isabelle Huppert, promete que aí a série decola. Mas como saber se é um bom sinal ou um fenômeno isolado? Afinal, cada episódio de hora e meia é um reboot.

O que o tema prometia de épico foi deixado de lado para dar lugar a uma egotrip sem pé nem cabeça. Toda a crueza (e, por que não também, a delicadeza?) vista em Mad Men foi deixada para trás. Com um material como este em mãos, e sabendo do histórico de seu realizador (antes de Madmen, Weiner integrou a linha de frente dos responsáveis pelas duas últimas temporadas dos Sopranos), a expectativa era altíssima. Antes mesmo da estreia, uma segunda temporada já era discutida nos bastidores.

Talvez aí more o verdadeiro pecado de Weiner: de uma altura tão grande, o tombo, se viesse, seria enorme. Foi assim com o império russo e parece ser o destino reservado para The Romanoffs.

(The Romanoffs - Toda sexta um novo espisódio disponível, no Amazon Prime.)

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.

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