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Francisco insistiu que o sínodo 'deve ser um exercício de diálogo' e 'o primeiro fruto desse diálogo é que todos estejam abertos à novidade'.
A jovem Silvia Bohl, à esquerda, participa de uma discussão em grupo durante seminário patrocinado pelo Vaticano sobre as preocupações dos jovens, em setembro de 2017, como preparação ao Sínodo. (CNS/ Paul Haring)
Por Gerard O'Connell*
"Precisamos redescobrir as razões da nossa esperança e, acima de tudo, passá-las aos jovens que têm sede dela", disse o Papa Francisco em seu discurso na primeira sessão plenária do Sínodo sobre "os jovens, a fé e discernimento vocacional”, no passado 3 de outubro.
Falando no salão do Vaticano onde está acontecendo o sínodo, Francisco lembrou aos cerca de 350 participantes que o Concílio Vaticano II afirmou que “nós podemos justamente considerar que o futuro da humanidade está nas mãos daqueles que são fortes o bastante para prover as próximas gerações de razões para viver e esperar.
Antes do papa Francisco dirigir-se aos participantes, o presidente delegado para a sessão plenária de abertura, o patriarca caldeu Luis Cardeal Raphael Sako I, expressou o apoio do sínodo a Francisco contra aqueles que o atacaram duramente nos últimos tempos.
Ele disse ao papa: “Desejamos expressar nossa proximidade a vocês e agradecer-lhes pelos conselhos que deram, que nos dão força para seguir em frente. Estamos certos de que as tempestades, embora fortes, irão embora e que a igreja emergirá mais pura e mais forte. Nós, os padres [do sínodo], estamos unidos ao Sucessor de Pedro, assim como os discípulos de Jesus no cenáculo”.
Muitas conferências episcopais já manifestaram publicamente sua proximidade e apoio ao papa, mas foi significativo que o Sínodo, com representantes de mais de 130 conferências episcopais, inclusive dos Estados Unidos e do Canadá, também o fizesse através das palavras do cardeal iraquiano.
Francisco começou sua palestra agradecendo aos milhares de jovens de todo o mundo que se engajaram no processo sinodal e “apontou que vale a pena o esforço de se sentirem parte da igreja ou entrarem em diálogo com ela; vale o esforço de ter a igreja como mãe, como professora, como lar, como família e, apesar das fraquezas e dificuldades humanas, capaz de irradiar e transmitir a mensagem atemporal de Cristo; vale a pena o esforço para segurar o barco da igreja, que, apesar das tempestades cruéis do mundo, continua a oferecer abrigo e hospitalidade a todos; vale o esforço de ouvir um ao outro; vale a pena o esforço de nadar contra a maré e sermos levados a valores elevados como: a família, a fidelidade, o amor, a fé, o sacrifício, o serviço e a vida eterna”.
Ele disse aos 247 padres sinodais das igrejas católicas de rito latino e oriental: “Nossa responsabilidade aqui não é minar [os jovens], mas sim mostrar que eles estão certos em apostar pela Igreja. Realmente vale o esforço; não é uma perda de tempo!”
Sob o conselho de São João XXIII à sessão de abertura do Vaticano II em 1962, Francisco disse-lhes: “Não se deixem seduzir pelos profetas da desgraça; não gaste sua energia em manter os pontos fracos e prender-se a censuras. Mantenha o seu olhar fixo no bem que muitas vezes não faz som; inclusive não é um tópico para blogs nem notícias de primeira página”.
Entre o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do sínodo, e o cardeal brasileiro Sérgio da Rocha, relator geral da assembleia, Francisco apontou que a maioria dos presentes não eram jovens - apenas 34 têm menos de 29 anos. Lembrou aos participantes que “o encontro entre gerações pode ser extremamente frutífero para dar origem à esperança”, como ensina o profeta Joel: “Vossos anciãos sonharão e vossos jovens terão visões”.
Como ele havia feito nos sínodos da família em 2014 e 2015, também naquele dia o papa Francisco ofereceu algumas diretrizes para as discussões durante do Sínodo. Ele explicou que todos deveriam “falar com coragem e franqueza, ou seja, integrar a liberdade, a verdade e a caridade”. Ele disse que “somente o diálogo pode nos ajudar a crescer” e que “uma crítica honesta e transparente é construtiva e útil. A fala indiscreta, os rumores, as conjecturas e os preconceitos não ajudam”.
"A humildade na escuta deve corresponder à coragem de falar", disse o papa. Repetindo o que havia dito aos jovens na reunião pré-sínodal de março, ele disse: “Se você diz algo que eu não gosto, preciso ouvir ainda mais, porque todos têm o direito de serem ouvidos, assim como todos têm direito de falar”.
Ele insistiu que o sínodo "deve ser um exercício de diálogo" e "o primeiro fruto desse diálogo é que todos estejam abertos à novidade, para mudar suas opiniões graças ao que ouviram dos outros".
Como havia feito nos sínodos sobre a família e em “Amoris Laetitia”, Francisco enfatizou a importância fundamental do “discernimento”. Muitos bispos e sacerdotes se esforçavam para entender esse conceito, e hoje à tarde o papa jesuíta, que dirigiu muitos retiros durante sua vida, lembrou a todos que “o discernimento não é um slogan publicitário; não é uma técnica organizacional ou uma moda passageira deste pontificado, mas uma atitude interior enraizada em um ato de fé”.
Francisco explicou que “o discernimento é um método e, ao mesmo tempo, o objetivo que nos propomos: baseia-se na convicção de que Deus atua na história do mundo, nos eventos da vida, nas pessoas que conheço e que falam comigo”.
Porém, continuou, “o discernimento precisa de espaço e tempo”. Para facilitar este discernimento, o papa Francisco decretou que durante a assembleia plenária e em grupos, a cada cinco discursos “se observará um tempo de silêncio de aproximadamente três minutos”. Isso para "permitir que todos reconheçam dentro de seus corações as nuances do que ouviram e permitir que todos reflitam profundamente e aproveitem o que mais impressiona".
Ele enfatizou que “essa atenção à interioridade é a chave para realizar o trabalho de reconhecer, interpretar e escolher”, que são os três pontos focais do documento de trabalho do Sínodo.
Francisco lembrou que a preparação para o Sínodo destacou o fato de que “a igreja precisa ouvir, inclusive aqueles jovens que frequentemente não se sentem compreendidos pela igreja em sua originalidade e, portanto, não aceitos pelo que realmente são e às vezes até rejeitados. "Este sínodo" tem a oportunidade, a tarefa e o dever de ser um sinal de uma igreja que realmente ouve, que se deixa interrogar pelas experiências daqueles que conhece e que nem sempre tem uma resposta pronta" ele disse. "Uma igreja que não ouve... não pode ser crível, especialmente para os jovens que inevitavelmente se afastarão em vez de se aproximarem."
Francisco pediu o abandono de "preconceitos e estereótipos", como o primeiro passo para ouvir. “As relações entre as gerações”, disse o papa, “são um terreno no qual o preconceito e os estereótipos se enraízam com facilidade proverbial… Os jovens são tentados a considerar os adultos desatualizados; os adultos são tentados a considerar os jovens como inexperientes”. Também explicou que “tudo isso pode ser um obstáculo esmagador ao diálogo”.
Ele alertou que, como a maioria dos participantes "não pertence a uma geração mais jovem", há um risco no sínodo "de falar sobre jovens em categorias e modos de pensar que já estão fora de moda".
"Os adultos devem superar a tentação de subestimar as habilidades dos jovens e não julgá-los negativamente", disse Francisco. “Os jovens devem superar a tentação de ignorar os adultos e considerar os idosos arcaicos, desatualizados e entediantes, esquecendo que é tolice começar sempre do zero como se a vida começasse apenas com cada um deles”.
O Papa Francisco disse aos cerca de 250 bispos do sínodo (50 dos quais são cardeais) que “é necessário superar decisivamente o flagelo do clericalismo”. Denunciou o clericalismo muitas vezes e o vinculou ao abuso sexual, bem como aos abusos do poder e de consciência.
O papa explicou que “o clericalismo surge de uma visão de vocação elitista e exclusivista, que interpreta o ministério recebido como um poder a ser exercido e não como um serviço gratuito e generoso para ser dado... Isso nos leva a acreditar que pertencemos a um grupo que tem todas as respostas e não precisa mais ouvir ou aprender nada”.
Francisco denunciou o clericalismo como "uma perversão" e "a raiz de muitos males na igreja".
"Devemos pedir perdão com humildade por isso", disse ele, "e acima de tudo criar as condições para que não se repitam".
Além disso, Francisco disse, "nós também devemos curar o vírus da autossuficiência e das conclusões precipitadas alcançadas por muitos jovens". Ele lembrou aos jovens que "evitar e rejeitar tudo o que é transmitido através dos tempos traz apenas uma desorientação perigosa" que infelizmente ameaça nossa humanidade... O acúmulo de experiências humanas ao longo da história é o tesouro mais precioso e confiável que uma geração herda de outra”.
Ele os encorajou afirmando que “o futuro não é uma ameaça a ser temida, mas é o tempo que o Senhor nos promete quando pudermos ter comunhão com ele, com nossos irmãos e irmãs e com toda a criação. Precisamos redescobrir as razões da nossa esperança e, acima de tudo, passá-las para os jovens que estão sedentos dela”.
Ele convidou os participantes do sínodo a “não extraírem deste sínodo apenas um documento - que geralmente é lido apenas por poucos e criticado por muitos - mas sobretudo propostas pastorais concretas capazes de cumprir o propósito do Sínodo”. O papa Francisco disse esperar que o sínodo “plante sonhos, encoraje profecias e visões, permita que a esperança floresça, inspire confiança, cure as feridas, entrelace relacionamentos, desperte um alvorecer de esperança, propicie um espaço de aprendizagem de uns com os outros e ascenda uma luz que ilumine as mentes, aqueça os corações, dê força às nossas mãos e inspire nos jovens - todos os jovens, sem ninguém excluído - uma visão de futuro cheia da alegria do Evangelho”.
Os que se reuniram aplaudiram quando o Papa Francisco terminou de falar e depois escutou as conversas dos cardeais Baldisseri e da Rocha, que apresentaram a Parte I do documento de trabalho, que os participantes discutirão durante a semana.
America Magazine - Tradução: Ramón Lara
*Gerard O'Connell é correspondente da América Magazine no Vaticano.
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