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A fé desempenhou um papel no sucesso de Bolsonaro. Seus discursos de campanha com temas relacionados à religião ressoaram entre os evangélicos do Brasil.
Uma apoiadora segura um balão com a imagem do candidato presidencial Jair Bolsonaro, durante celebração em frente ao Congresso Nacional em Brasília. (Reprodução/ America Magazine/ AP Photo/ Eraldo Peres)
Por Filipe Domingues*
Se depender do próximo presidente, o deputado Jair Messias Bolsonaro, Deus terá novamente um papel central na política do Brasil.
Em seu primeiro discurso após sua vitória, transmitido ao vivo no Facebook em 28 de outubro, o presidente eleito de extrema-direita agradeceu a Deus e elogiou os eleitores por permitir que o país "siga em frente no caminho certo". Bolsonaro, cujo nome do meio é "Messias", é um católico casado com uma mulher evangélica protestante [Junto ao TSE, Bolsonaro se registrou como católico, mas recebeu batismo pelas mãos do pastor Everaldo (nota da edição)].
"O nosso slogan eu fui buscar naquilo que muitos chamam de caixa de ferramentas para consertar o homem e a mulher, que é a bíblia sagrada", disse Bolsonaro. Realizando a maior parte de sua campanha através das mídias sociais, seu primeiro milagre foi ser eleito depois de gastar apenas R$2.452.212,91, de acordo com os relatórios do P.S.L.
As observações de Bolsonaro foram feitas em sua casa em um bairro rico do Rio de Janeiro. Uma Bíblia se mostrava de maneira proeminente em sua mesa de jantar, ao lado da Constituição Brasileira. Ele recitou João 8,32: “Então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
O candidato pelo Partido Social-Liberal (PSL), tomará posse no dia 1 de janeiro. Muitas vezes descrito como o mais novo defensor do populismo de direita, Bolsonaro conquistou 55,13% dos votos válidos no segundo turno contra seu rival de centro-esquerda Fernando Haddad, um protegido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além de Deus, Bolsonaro poderia considerar agradecer a Lula, a estrela cadente do Partido dos Trabalhadores do Brasil (P.T.), por sua ajuda não intencional à sua campanha. É que sr. Lula coordenou a campanha de Haddad desde a prisão, onde reside atualmente após sua condenação por acusações de corrupção.
Mas a fé desempenhou um papel no sucesso de Bolsonaro também. Seus discursos de campanha com temas relacionados à religião ressoaram entre os evangélicos do Brasil. Eles se tornaram uma presença cada vez mais influente na política brasileira nas últimas três décadas, disse Magali do Nascimento Cunha, consultora da Comissão do Conselho Mundial de Igrejas sobre Fé e Ordem e professora de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.
Em seu discurso no Facebook, o presidente eleito disse que Deus reserva algo especial para ele e seu povo. Um sinal disso, segundo ele, é o fato de ter praticamente renascido após uma tentativa de assassinato em 7 de setembro. Bolsonaro foi gravemente ferido depois de ter sido esfaqueado na região abdominal em uma manifestação política.
Sua primeira aparição na mídia de massa como presidente eleito foi ao lado do senador Magno Malta, um aliado político e pastor evangélico. O Sr. Malta conduziu um momento de oração agradecendo a Deus pela vitória do presidente eleito, e a primeira entrevista de Bolsonaro foi transmitida pela TV Record, uma rede de mídia pertencente ao bispo neopentecostal Edir Macedo, líder da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus.
Bolsonaro, que foi apelidado de “o Trump dos Trópicos”, diz que planeja tornar o Brasil grande novamente - “semelhante à [nação] que tivemos há 40, 50 anos”. Sua escolha para o ministro das Relações Exteriores, diplomata Ernesto Araújo , é um anti-globalista e um entusiasta de Trump.
Nascimento Cunha disse à America que a agenda explicitamente retrógrada de Bolsonaro foi bem recebida pelos eleitores conservadores evangélicos e católicos. Os evangélicos são aproximadamente 22% da população do Brasil e os católicos são cerca de 65%, de acordo com o censo de 2010.
“Essa é uma reação aos avanços que temos visto desde a década de 1960 nas discussões sobre a família, o lugar das mulheres, a juventude e a sexualidade. É uma moral cristã que tenta recuperar um passado idealizado, uma espécie de nostalgia que encontra eco na campanha de Bolsonaro”, afirmou.
Descrito pelos rivais como homofóbico, misógino e racista, o discurso de Bolsonaro atrai aqueles que temem idéias associadas à esquerda política - oferecendo mais direitos a pessoas L.G.B.T., normalizando o aborto, revisando o conceito de família e redistribuindo a propriedade privada.
Ao contrário dos evangélicos, que são em sua maioria conservadores, os católicos brasileiros estão quase igualmente divididos entre a direita e a esquerda política. De acordo com uma pesquisa do Ibope de 18 de setembro, 25% dos católicos brasileiros se descrevem como eleitores de direita, enquanto 21% relatam que estão à esquerda. Para os evangélicos, a divisão aumenta para 33% à direita e apenas 6% à esquerda.
"Enquanto o discurso evangélico é mais focado em valores morais, os católicos têm olhado para ambas as questões sociais, como os direitos dos pobres e os mesmos valores morais tradicionais", disse Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do centro de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e comentarista de religião na mídia brasileira.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (C.N.B.B.) tem criticado propostas que ameaçam tanto os direitos democráticos quanto a agenda pró-vida. Oficialmente, a Igreja Católica não apoiou nenhum candidato.
“A C.N.B.B. teve uma atitude coerente em relação à sua história e está sendo fiel ao que o Papa Francisco propôs à Igreja Católica”, disse a Sra. Nascimento Cunha.
“Ainda assim, os católicos conservadores se sentiram bastante à vontade com alguns líderes que demonstraram apoio explícito a Bolsonaro. Alguns deles até repudiam a liderança da C.N.B.B.”, acrescentou ela. “A Igreja Católica está passando por uma crise no Brasil, uma divisão que sempre existiu, mas que agora aparece dentro da perspectiva desse novo governo”.
A expressão desses valores religiosos intensificou uma reação já forte contra o Partido dos Trabalhadores. Isso se tornou o motor que levou Bolsonaro ao poder, segundo muitos analistas políticos brasileiros.
“Mais decisivo foi o sentimento generalizado de que o Partido dos Trabalhadores traiu os interesses tanto da 'classe média pobre', que nas últimas décadas tem crescido, dos setores mais pobres da população, quanto de uma classe média mais estabelecida”, disse o Sr. Ribeiro Neto.
Em outras palavras, os eleitores se sentiram traídos pela esquerda depois que seus 13 anos no poder foram marcados por corrupção e jogos de poder partidários. No final do ciclo, o Brasil viu sua estabilidade econômica comprometida.
“Essas questões frustraram o ideal de ascensão social e auto-realização através do esforço individual e do trabalho”, acrescentou Ribeiro Neto. Em sua opinião, esta eleição foi de fato a coroação de “uma onda conservadora”, mas a continuação do apoio católico a Bolsonaro dependerá principalmente do sucesso de seu plano econômico.
De acordo com Christina Vital da Cunha, professora de antropologia da Universidade Federal Fluminense que estuda a crescente influência dos evangélicos na política do Brasil, Bolsonaro capturou inseguranças econômicas, físicas e morais dos brasileiros.
"A maioria das pessoas que são religiosas no Brasil, sejam católicas ou evangélicas, são conservadoras", disse ela. Ela ressalta que os conservadores do Brasil não necessariamente apoiam o autoritarismo, mas buscam um retorno aos padrões sociais que sentem que foram perdidos por causa de uma agenda social de esquerda que acolheu a diversidade e a expressão de identidades minoritárias. Isso, na visão deles, enfraquece o ideal de família na vida brasileira.
"Apesar do incentivo ao trabalho das mulheres e à autonomia financeira, o modelo de família [dos conservadores] inclui a submissão de mulheres e crianças à figura masculina".
Respondendo a outras inseguranças, Bolsonaro nomeou uma figura popular para o Ministério da Justiça e Segurança Pública - o juiz Sérgio Moro, visto por muitos brasileiros como um guardião da moralidade política. Foi uma atitude política astuta, já que o juiz estava encarregado da acusação de crimes de corrupção sob a vasta Operação Lava Jato e era o homem responsável por colocar Lula atrás das grades.
Bolsonaro falou sobre a insegurança econômica ao nomear um economista de livre mercado, Paulo Guedes, como seu principal conselheiro econômico. O Sr. Guedes é formado pela Universidade de Chicago, mas não tem experiência política.
Esta escolha, dizem os seus críticos, desagradavelmente ecoa a ditadura do general Augusto Pinochet no Chile. Durante as décadas de 1970 e 1980, o Chicago Boys, um grupo de economistas chilenos também formado na Universidade de Chicago sob Milton Friedman, seguiu uma política econômica pró-americana libertária no Chile, enquanto o sangrento regime de Pinochet possibilitou o experimento através de políticas de repressão. No final, mais de 3.200 pessoas estavam mortas ou desaparecidas e milhares estavam na prisão ou exiladas.
A agenda linha-dura de Bolsonaro sobre o crime durante a campanha presidencial foi apoiada por muitos eleitores. O ex-paraquedista do Exército e defensor da ditadura repressiva que governou o país por 20 anos, entre 1964 e 1985, Bolsonaro, assinou contratos com vários ex-militares como membros de seu governo. Isso inclui o vice-presidente, general Hamilton Mourão; o futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva; o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno; e a primeira mulher indígena a se tornar soldado no Brasil, a tenente Silvia Nobre Waiãpi, que faz parte da equipe de transição.
Essas escolhas levantam questões sobre a preservação dos direitos humanos e liberdades individuais sob seu governo. O general Heleno, por exemplo, disse à mídia que sua concepção de direitos humanos só se estende aos “ humanos direitos”, significando apenas aqueles que obedecem à lei.
Em um comício eleitoral, Bolsonaro ameaçou banir os “criminosos vermelhos” do Partido dos Trabalhadores do país e prometeu “fazer uma limpeza nunca vista na história do Brasil”. Ele também disse que as minorias têm que se curvar a vontade da maioria ou simplesmente deixar o país.
“A posição de Bolsonaro em relação aos direitos humanos dependerá de seu sucesso na frente econômica e social”, conclui Ribeiro Neto. “Se ele for capaz de reverter o caminho do aprofundamento da crise econômica, obterá apoio político e não recorrerá a medidas controversas no campo sociocultural, inclusive [reprimindo] as liberdades democráticas. Se ele falhar, terá que criar um inimigo que unifique sua base política e social”.
America Magazine - Tradução: Ramón Lara
*Filipe Domingues é jornalista brasileiro e contribui com notícias sobre o Brasil para a América Magazine.
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