terça-feira, 13 de novembro de 2018

Pelo direito de ser humano

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A humanidade compartilha a animalidade com o restante da natureza ao passo que dela se distingue 
Talvez essas sejam as duas marcas da dignidade humana, a liberdade e a criatividade.
Talvez essas sejam as duas marcas da dignidade humana, a liberdade e a criatividade. (Reprodução/ Pixabay)
Por Gilmar Pereira

O ser humano se entende diferente dos outros animais por não se determinar exclusivamente pela natureza. O comportamento animal seria condicionado pelos seus instintos, já o humano dependeria, sobretudo, de sua capacidade de escolha sobre si.  Essa capacidade de se recriar, reinterpretando e apropriando-se ao seu modo da natureza, essa possibilidade de agir contra o fluxo natural e selvagem da vida e a autodeterminação marcariam o humano. Nesse sentido, fundamentam o ser humano sua capacidade criativa e sua liberdade.

Se seguisse simplesmente o fluxo da natureza, o ser humano não seria diferente dos animais. Ele se apropria da realidade natural, transformando-a, fazendo-a sua ao seu modo. Talvez soe chulo, mas há um ditado que diz (com palavras mais rudes que aqui uso) que “defecar é natura, limpar-se é cultura”. A realidade da cultura é aquela que diz respeito ao modo do humano recriar a realidade, transformá-la e com ela interagir. É por isso que está na ordem da criatividade, porque implica em intervenção e invenção.

A humanidade compartilha a animalidade com o restante da natureza ao passo que dela se distingue pelo estado de cultura. Além da dimensão criativa que lhe é inerente, o agir humano, ao ultrapassar as determinações naturais, caracteriza-se pela liberdade; ou seja, o agir humano advém de escolhas. É legítimo questionarmos até que ponto somos realmente livres e se escolhemos livremente, uma vez que o meio exerce influência sobre cada indivíduo. Contudo, não dá para negar que é possível agir contra as influências recebidas e culminar em outra coisa, mesmo que imprevista. Ainda que limitada, a liberdade é característica do humano como possibilidade de escolha. Em seu lado animal, o humano é condicionado pela natureza; em seu espírito, é livre.

Talvez essas sejam as duas marcas da dignidade humana, a liberdade e a criatividade. Tudo o mais que se diz dignificar o ser humano advém disso, como o trabalho que, segundo o dito popular, o enobrece. O trabalho é também toda ação do humano sobre a natureza; dele retira seu sustento e emprega sua capacidade de escolhas e criação; talvez tenha começado na caça ou coleta de frutas da sociedade primitiva, mas se complexificou nas relações atuais das sociedades do capital. De qualquer forma, é na criatividade e liberdade que o ser humano se realiza e é sobre isso a que se refere seu direito à humanidade. Todo ser humano tem o direito à própria humanidade, o que corresponde a dizer que tem direito a realização de si nos elementos fundamentais que o fazem humano.

Disso derivam os outros direitos humanos, daquilo que lhe é fundamental. Direitos humanos são, sobretudo, os direitos do humano à própria humanidade, àquilo que lhe constitui como ser humano. De modo didático esses direitos estão dispostos na Declaração Universal do Direitos Humanos, que surge como resposta aos horrores de um período de maior desumanização, a Segunda Guerra Mundial. Em face da banalidade do mal, que classificava pessoas como sendo de uma categoria inferior a outras, houve um movimento mundial que tinha em vista a garantia dos direitos fundamentais do humano, prezando pela igualdade de direitos.

Hoje, em contrapartida, o discurso que apela à diferença para categorizar pessoas tem voltado com força. Criou-se a ideia de um tipo especial de gente, alcunhanhada de "cidadão de bem", merecedor de direitos, em contraposição aos outros que não cabem nesse ideal. O pensamento eugênico que parecia superado volta também em muitas falas de pessoas que não enxergam nisso um problema. Tudo isso se alia à luta de grupos e classes pela manutenção do status quo e dos privilégios de que sempre gozaram.

Quando se nega humanidade a qualquer pessoa, toda a humanidade se dezumaniza. Comungamos de uma mesma natureza que clama por sua realização e, como um corpo, cresce com o dom de cada um. Nesse sentido, para que haja um futuro melhor para todos, há de se lutar pela realização de cada indivíduo. Assim, a primeira coisa é promover a liberdade e favorecer a criatividade de cada pessoa, a fim que toda a humanidade se renove no bem.

12ª Mostra Cinema e Direitos Humanos

Criada em 2006, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos para celebrar o aniversário da Declaração Universal de DH, a 12ª Mostra Cinema e Direitos Humanos foi expandida ao longo dos últimos anos e, hoje, ocorre em todo o Brasil. Busca estimular a cultura da paz ampliando debates por meio da linguagem cinematográfica que enfatiza a solidariedade, o respeito às diversidades e a tolerância. A Mostra Cinema e Direitos Humanos é produzida, em Belo Horizonte, há 11 anos, pela Pimenta Filmes. www.pimentafilmes.com

A mostra acontecerá de 16 a 18 e de 20 a 21 de novembro, no SESC Palladium, terá como tema os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e irá homenagear Milton Gonçalves. Com mais de 70 filmes no cinema, o ator e diretor Milton é um dos mais prolíficos artistas do país. Presente nas telas e palcos desde a década de 50, presenciou (e participou) a história da televisão, do teatro e do cinema brasileiro.

Mais informações no SESC

Gilmar Pereira
Gilmar Pereira é bacharel e licenciado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF); bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Também possui formação em Fotografia pelo SESI-MG/ Studio 3 Escola de Fotografia. É responsável pela editoria de Religião do portal Dom Total, onde também é colunista. Atua como palestrante há 18 anos, com grande experiência no campo religioso, tem ministrado diversos minicursos nas áreas de Filosofia, Teologia e Comunicação. Possui experiência como professor de Filosofia e Sociologia e como mestre de cerimônia. Leciona oratória na Dom Helder Escola de Direito e ministra a disciplina “A comunicação como evento teológico” na especialização “Desafios para a Igreja na Era Digital”.

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