segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sensibilidade: linguagem do amor, porta da hospitalidade

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O amor é a expressão da fé cristã. Perdermo-nos desse horizonte é deixar que o fundamental de nossa identidade nascida da fé não tenha valor ou significado algum.
A hospitalidade deve ser uma característica cotidiana, expressa de muitos modos e maneiras.
A hospitalidade deve ser uma característica cotidiana, expressa de muitos modos e maneiras 
(Reprodução/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

“O amo fraterno permaneça. Não vos esqueçais da hospitalidade, porque graças a ela alguns, sem saber, acolheram anjos” (Hb 13,1-2).

A respeito do amor fraterno como imperativo para a vida cristã, não há argumentos para justificar a importância de que permaneça. Já aprendemos com o Cristo que este é o mandamento único, que resume tudo o que devemos fazer. O amor fraterno deve ser a identidade dos cristãos e cristãs no mundo. Fora disso, não temos um rosto que nos distinga na multiplicidade de expressões que se apresentam por toda a parte. Não significa que o amor fraterno seja característica exclusiva dos cristãos e cristãs, mas, fora dele, não há qualquer possibilidade de cristianismo algum existir.

O amor é a expressão da fé cristã. Perdermo-nos desse horizonte é deixar que o fundamental de nossa identidade nascida da fé não tenha valor ou significado algum. Amamos, gratuitamente, porque fazemos a experiência do Amor daquele que é o Deus-por-nós. O amor só ama e só se desdobra em amor. Essa é a característica agápica do amor que configura o eixo central da experiência cristã. Longe de toda e qualquer romantização do amor, é preciso que compreendamos que não se trata, aqui, de um sentimento, propriamente dito, mas de uma postura. O amor ao qual todo cristão e cristã são chamados é um amor que se vê, porque se manifesta no concreto da vida.

Porque passamos a compreender o amor apenas em sua dimensão afetivo-sentimental, desobrigamo-nos, no cotidiano da vida, a amar uns aos outros. Amamos – afetivamente – aqueles e aquelas que nos são próximos. É por isso que a fala de Jesus pode soar absurda: amar até os nossos inimigos. Dos inimigos não costumamos gostar, é certo. Mas o amor cristão está para além da afetividade. Está, por sua vez, no lugar da efetividade: posso amar meu inimigo porque sou capaz de reconhecer que, mesmo com todos os seus traços de desumanidade que me ameaçam a existência, ele comporta a dignidade de ser pessoa. Amo os inimigos, inclusive, quando me nego a fazer o mesmo mal, contra eles, que fazem para me atingir. Nos tempos em que todos somos estranhos uns aos outros, mesmo que vizinhos de um mesmo andar, a exigência do amor uns para com os outros torna-se cada vez mais interpeladora.

É por isso que é tão atual a recomendação que o autor da Carta aos Hebreus faz para que não nos esqueçamos da hospitalidade. É certo que a recomendação para que o amor fraterno permaneça poderia ser única e globalizante de todo o agir cristão. Mas é preciso explicitar como o amor se desdobra. Ser hospitaleiros significa que fazemos de nossa vida, casa para acolher o outro. Uma vez mais, o afeto não é pressuposto necessário: a hospitalidade deve ser uma característica cotidiana, expressa de muitos modos e maneiras. Um olhar generoso, compassivo ou complacente, pode, por exemplo, ser sinal fecundo de hospitalidade. Viver a hospitalidade é expressão do amor porque nos leva a reconhecer que toda pessoa tem direito a um lar, a um abrigo humanizador. Nesse sempre esse lar pressupõe paredes e teto, vale dizer.

Tempos sombrios são os que mais nos exigem sensibilidade. A sensibilidade para com a vida do outro é uma das linguagens do amor ao qual os cristãos e cristãs somos chamados. Amor e hospitalidade são remédios eficazes para os ferimentos que esses tempos causam em nossas vidas, nas vidas dos que nos são próximos e, sobretudo, na vida daqueles e daquelas que são os renegados e perseguidos da história. A luta contra as sombras que nos desumanizam torna-se mais fecunda quando optamos pelo caminho da sensibilidade que revela o amor: tornarmo-nos casas para a acolhida do coração do outro, ainda mais do outro violentado em sua existência. Se nos educamos para a sensibilidade que nos leva a encontrar o outro, tão logo tornamo-nos capazes de fazer nossa vida, habitação para o restauro das feridas do outro. Se esses tempos nos quais vivemos insistem na brutalidade e em nos tornar brutos, façamos uma livre e decidida opção pela sensibilidade, pois ela torna palpável o amor e faz de nossa vida, verdadeira casa da hospitalidade.

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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