quinta-feira, 30 de maio de 2019

Não se trata apenas de migrantes e refugiados: trata-se da nossa humanidade

Xenofobia é sinônimo de violência e de racismo. É crime, precisa ser banido de nossas relações sociais.



Os refugiados e suas implicações socioculturais surgem no cenário mundial como um fenômeno histórico.
Os refugiados e suas implicações socioculturais surgem no cenário mundial como um fenômeno histórico. (REUTERS/Yannis Behrakis)
Por Élio Gasda*
Esse é o conteúdo da mensagem do Papa Francisco para a jornada Mundial do Migrante e do Refugiado 2019, divulgada na última segunda-feira. Nela, Francisco constata que as sociedades economicamente mais avançadas tendem para um individualismo radical que, intensificado pelas redes sociais e pela mídia, gera a globalização da indiferença. É neste cenário que os migrantes, os refugiados, os desalojados e as vítimas do tráfico de seres humanos aparecem como os sujeitos emblemáticos da exclusão. E, o que é mais grave, além dos incômodos, acabam considerados como causa dos males sociais. Essa atitude para com eles revela o declínio moral de uma sociedade.
Frágeis embarcações com centenas de pessoas amontoadas, campos de refugiados com milhares de minúsculas tendas a perder de vista. Os refugiados e suas implicações socioculturais surgem no cenário mundial como um fenômeno histórico. A violação e o colapso do Estado de Direito, a violência, os conflitos internos, as crises, a pobreza constituem as causas principais que levam alguém a migrar ou solicitar refúgio. Dados publicados pela Organização Mundial para Migrações (OIM) mostram que 4.592 pessoas morreram ou desapareceram em 2018 tentando migrar, a metade delas no Mar Mediterrâneo. Não são simplesmente números, não é mera estatística. São crianças, mulheres e homens forçados a abandonar sua terra, seus bens, suas casas por vários motivos, e que compartilham o mesmo desejo legítimo de viver com dignidade.
Essa realidade desemboca nas preocupações relacionadas a violações da dignidade humana. O migrante é um sujeito de direitos. Os avanços no tratamento jurídico com os estrangeiros são relevantes para o fortalecimento do Estado Democrático. A perspectiva dos direitos deve pautar a discussão sobre essa realidade. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os seguintes direitos devem ser respeitados: o direito à igualdade e à não discriminação (art. 3º); o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (art. 3º); o direito à igualdade perante a lei (arts. 6º, 7º, 8º, 10º e 11º).
Para Thomas Piketty, o “nacionalismo e a xenofobia são a resposta mais fácil diante das desigualdades”. A chegada de milhares de imigrantes pode aumentar o sentimento xenofóbico de parte da população local. Diante das crises sociais, os fascistas e a extrema direito vêm ampliando o espaço político e disseminando preconceito étnico, cultural e religioso. Para Francisco, são atitudes que revelam nossos medos. As maldades e torpezas do nosso tempo fazem aumentar o nosso receio em relação aos “outros”, aos desconhecidos, aos marginalizados, aos estrangeiros. O problema surge quando os temores condicionam de tal forma o modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até, sem percebermos, racistas!
Na mensagem, papa Francisco pede uma atitude exatamente oposta. Para ele, a presença dos migrantes e refugiados, como a das pessoas vulneráveis em geral, constitui um convite a recuperar algumas dimensões essenciais da nossa existência cristã e da nossa humanidade, que correm o risco de entorpecimento num teor de vida rico de comodidades. Quando nos interessamos por eles, interessamo-nos também por nós, por todos; cuidando deles, todos crescemos; escutando-os, damos voz também àquela parte de nós mesmos que mantemos escondida. Ter dúvidas e receios não é pecado. Pecado é deixar que estes medos alimentem a xenofobia. Pecado é dar as costas ao próximo.
Quem nos salva são os outros. Não é dinheiro, nem os discursos, os louvores ou cânticos religiosos. Quem nos abre as portas da eternidade é quem bate à nossa porta. São os famintos, sedentos, os migrantes e refugiados, os enfermos e prisioneiros. O que é feito a estes é feito ao próprio Deus.
“Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!” (Mt 14, 27). Cada estrangeiro que bate à nossa porta é ocasião de encontro com Jesus Cristo, que Se identifica com o migrante acolhido ou rejeitado de cada época (cf. Mt 25, 35.43). Acolher, proteger, promover e integrar. São atitudes que definem o cristão diante do drama dos migrantes e refugiados. A Igreja, Povo de Deus, quer abraçar todos os povos. No rosto de cada pessoa está estampado o rosto de Cristo! Eis a raiz mais profunda da dignidade do ser humano que deve ser sempre respeitada e protegida. Não são os critérios de produtividade, de classe social, de pertença étnica ou religiosa que fundamentam a dignidade da pessoa, mas sim o fato de ser criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26-27).
Xenofobia é sinônimo de violência e de racismo. É crime, precisa ser banido de nossas relações sociais. Os cristãos são chamados a confrontar este mal tão destrutivo. Superar medos, preconceitos e discriminações, eis o único caminho de construção de um mundo melhor. Jesus também foi um refugiado, um migrante!
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de 'Trabalho e capitalismo global: atualidade da doutrina social da Igreja' (Paulinas, 2001); 'Cristianismo e economia' (Paulinas, 2016).

Nenhum comentário:

Postar um comentário