sexta-feira, 7 de junho de 2019

O Papa e Lula: entender para não confundir

Em tempos como os atuais, de grande polarização política, as ideologias são as maiores armas para dividir o povo cristão

Em 29 de março de 2019, o ex-presidente Lula escreveu uma carta ao Papa Francisco, expondo sua situação pessoal. O pontífice lhe respondeu em 3 de maio de 2019, falando da esperança que marca o tempo pascal, a responsabilidade dos políticos em defender o bem comum e os direitos humanos e, diante das perdas pessoais que sofreu recentemente (as mortes da esposa, do irmão e do neto), encorajava-o a continuar confiando em Deus. Posteriormente, num discurso a juristas, em 4 de junho, Francisco citou o perigo representado, para a democracia, pelo lawfare (termo em inglês para ao uso indevido de instrumentos jurídicos com objetivos políticos). Bastou isso para que uma enxurrada de posts e artigos ideológicos pipocassem na Internet, dizendo ora que o Papa reconhecia que Lula era preso político e se solidarizava com ele, ora que ele era um Papa comunista que atentava contra a Igreja e não sabia o que estava dizendo.
Em tempos como os atuais, de grande polarização política, as ideologias são as maiores armas para dividir o povo cristão. Mas não podemos nos esquecer que a unidade é justamente o dom que Jesus pediu ao Pai para que seus discípulos fossem reconhecidos no mundo (Jo 17, 20-23) e o Senhor do Mal é chamado, na tradição cristã, de diabo, o caluniador, aquele que divide. Por isso, interpretações precipitadas e facciosas, que levam à divisão, devem ser evitadas e esclarecidas.
Comecemos pela mensagem a Lula. O Papa respondeu a uma carta de Lula, exortando-o à fé e reafirmando a responsabilidade social dos homens públicos. Muita gente parece ter prazer com o sofrimento de Lula e querer que ele seja mais espezinhado sempre que possível. Isso não é cristão. Numa atitude oposta, Francisco sempre nos lembra que a caridade nos impele à solidariedade com aqueles que sofrem, inclusive com aqueles que estão presos, não importa por qual crime. Essa solidariedade não significa ir contra a justiça, mas sem dúvida não combina com posições vingativas ou punitivistas. O Papa fez aquilo que se esperava de um cristão interpelado por outro que sofre: exortou-o a permanecer firme na fé e o lembrou da importância do bem.
O ativismo judicial, que é a interferência indevida do Poder Judiciário nos outros poderes, tem sido um tema muito debatido no Brasil. Além disso, quando o Papa faz um discurso, num evento internacional realizado no Vaticano, não está individualizando uma situação particular, em um país específico. Sem dúvida, a referência ao lawfare – feita pelo pontífice – nos convida a olhar com atenção e discernimento para as decisões tomadas por nossos magistrados, mas não implica numa posição específica de Francisco em relação aos problemas legais brasileiros.
A inocência ou culpabilidade de Lula é uma questão de provas apresentadas nos tribunais (e daí o longa e tortuoso debate que se trava no Brasil já há alguns anos). Citar ou atacar o Papa, dependendo da posição política de quem está falando, não muda nada nesse debate, só serve para dividir os cristãos. Em termos positivos, o Papa nos convida, com seu exemplo, a procurar um justo discernimento cristão, iluminado pela caridade e comprometido com a verdade. Se questionar, buscando sempre crescer nessas duas dimensões (caridade e verdade), é uma posição humana que ajuda a todos, nos consideremos petistas, anti-petistas ou neutros, a construir o bem comum.
Nessa perspectiva, a grande e justa preocupação do Papa Francisco, bem apresentada no discurso citado acima, é que os problemas econômicos, as crises financeiras e morais que os governos têm enfrentado em diferentes países (inclusive no Brasil) não justifiquem posições que retirem direitos sociais, particularmente dos mais desprotegidos na sociedade. Momentos difíceis podem implicar em medidas duras, mas elas devem ser tomadas para garantir os direitos e não para tirá-los.
O cristianismo, quando vivido integralmente, sempre indica um caminho de realismo e solidariedade, que constrói a unidade e ajuda a superar distorções de qualquer matiz ideológico.

Uma visão cristã do mundo deve superar as polarizações ideológicas tanto à esquerda quanto à direita, leia em: https://olharintegral.com/nem-direita-nem-esquerda-mas-sim-integral/

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