Banalizar a fome do outro é o auge da desumanização de um governo que fede a corrupção.
Presidente discursa durante jantar na embaixada do Brasil em Washington em março deste ano, ele que disse recentemente não existir fome no Brasil. (Alan Santos/ Presidência da República)
Por Élio Gasda*
“O que mata a fome de meu filho é a creche. Aqui em casa não tem nada para dar para ele”, diz Jadilson. Seu filho de um ano só come na creche. O jantar da última sexta feira (19) em sua casa resumiu-se a 4 ovos repartidos entre cinco pessoas: ele, sua mulher, sua mãe, sua irmã e seu filho.
Os estarrecedores dados da fome são a face mais atroz do século XXI. A fome é a pior das torturas. Histórias reais de fome não sensibilizam mais. Os problemas sociais aumentam na mesma medida da insensibilidade dos poderes públicos e da sociedade diante do sofrimento imposto aos mais vulneráveis.
É grande e visível, por toda parte do país, as pessoas que estão trocando o gás pela lenha, o teto por um viaduto, marquise ou um banco de praça. Outros, sem dinheiro para comprar comida, a catam em caminhões de lixo. Sinais de trânsito transformados em balcão de negócios. Tem criança, jovens, idosos, homens e mulheres em situação de vulnerabilidade, de risco social no mais alto grau. No Brasil a contagem da população de rua esta prevista em decreto, mas nunca houve um Censo. Novamente essa população estará excluída do Censo 2020. Em 2015 o IPEA estimava em 101.854 essa população. O governo contesta. O que os olhos não vêem, o coração não sente.
Essas pessoas fazem parte dos 15,2 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, sobrevivem com menos de 7 reais/dia. Se consideradas as famílias que vivem com menos de 406 reais por mês, o total aumentou de 53,7 milhões em 2016 para 55,4 milhões em um ano (IBGE). Famintos esquecidos e invisíveis ao Estado.
Em média, 15 pessoas morrem de desnutrição por dia no Brasil. Por dia!! Em 2017, 5,2 milhões passavam fome. São dados oficiais divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Com o congelamento dos investimentos sociais por 20 anos e a alta do desemprego, o número de famintos só tende a aumentar.
Seis em cada dez crianças no Brasil vivem na pobreza (Unicef). A fome é a companheira de milhares de crianças neste período de férias escolares. Elas não querem só comida. São crianças e adolescentes até 17 anos privados de direitos fundamentais como água potável, saneamento, moradia e saúde. O levantamento, feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, mostra que 18 milhões de meninas e meninos, vivem com menos de R$ 346 por mês na zona urbana e R$ 269 na zona rural. Fazem parte da linha da pobreza extrema. Torturados pela desnutrição.
Nem esse escândalo social escancarado sensibiliza o governo Bolsonaro. Está escrito em seu plano de governo, registrado no Tribunal Superior Eleitoral: “Nunca haverá estabilidade social na presença de fome, violência, miséria e de altas taxas de desemprego”. Eleito, a fome já não existe mais. Primeiro foi a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, que em abril, declarou: “Nunca tivemos guerra e nós não passamos muita fome porque temos manga nas ruas em nossa cidade e clima tropical”. Seria cômico se não fosse tão trágico. A insegurança alimentar é um problema de muitas faces, entre elas as mazelas sociais e ambientais. Seu Ministério já liberou o uso de 262 agrotóxicos em 2019. Se o pobre não morrer de fome, morrerá envenenado.
Como se não bastasse a estupidez da ministra, seu presidente, um mentiroso compulsivo, declarou durante entrevista à mídia internacional: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não se come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não.” E continuou “você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo”. Suas palavras expressam seu absoluto desprezo com os mais pobres, desconhecimento da realidade e cinismo sem disfarces. Banalizar a fome do outro é o auge da desumanização de um governo que fede a corrupção. Suas instituições estão apodrecidas. Se havia algum respeito por este governo ele foi perdido. Chegou ao fundo do poço.
“Falta realmente vontade política. É preciso querer de verdade acabar com a fome, mas isto não acontecerá se, em última instância se, antes de tudo, não houver a convicção ética, comum a todos os povos e às diferentes visões religiosas, que coloca no centro de qualquer iniciativa o bem integral da pessoa” (Papa Francisco).
Diante de uma multidão com fome (Mc 6,34), os discípulos sugerem a Jesus: “Despede-os para que vão aos campos e povoados vizinhos e comprem para si o que comer” (Mc 6,36). Jesus “ficou tomado de compaixão por eles” (Mc 6,34). E ordena: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37). Quem são esses homens, mulheres e crianças? Rostos de Cristo. “Tive fome e não me destes de comer. Afastai-vos de mim, malditos” (Mt 25, 41). “Que importa ao Senhor que sua mesa esteja cheia de objetos de ouro se ele se consome de fome?” (São João Crisóstomo). Dar de comer a quem tem fome é uma graça.
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