terça-feira, 6 de agosto de 2019

A mensagem da cruz


Amar a mensagem da cruz e proclamá-la é anunciar o amor de Deus ao mundo que não faz distinção de cor, raça, sexo.


Amar a mensagem da cruz implica em se engajar no mundo visando a sua transformação e a geração de vida.
Amar a mensagem da cruz implica em se engajar no mundo visando a sua transformação e a geração de vida. (Samuel McGarrigle/ Unsplash)
Por Fabrício Veliq*
Sim eu amo a mensagem da cruz
Até morrer eu a vou proclamar
Levarei eu também minha cruz
Até por uma coroa trocar

Essa canção é extremamente conhecida no meio evangélico e quase toda igreja a tem em seu hinário ou repertório musical. Trata-se de uma música do início do século 20, intitulada The old rugged cross. Foi escrita pelo reverendo George Bennard e cantada pela primeira vez na Igreja Metodista de Pokagon, em Michigan, Estados Unidos. Em uma tradução livre o título quer dizer “a velha e rude cruz”. No Brasil, foi traduzida como Rude cruz e ficou mais conhecida como Mensagem da cruz.
O coro do hino, com o qual iniciamos este artigo, é a parte mais conhecida da música e nos traz boas reflexões a respeito da vida cristã. Afinal, qual é a mensagem da cruz? Como que os Evangelhos falaram a respeito dessa mensagem que faz com que alguém se disponha a tomar essa cruz e seguir com ela até a morte?
Infelizmente, ao longo da história do movimento evangélico criou-se a ideia de que a vida na terra é um mar de lágrimas, ancorados na fala de Jesus de que “meu reino não é desse mundo” (Jo 18,36) e na Carta aos Hebreus, em que se diz que os heróis da fé eram peregrinos e estrangeiros na terra (Hb 11,13), bem como a ideia de que os assuntos desse mundo não são importantes para a vida cristã. O que importa seria somente o cuidado da alma, estar bem com Deus e agir da forma como ele deseja. Negar o mundo seria, então, tomar a cruz e seguir a Jesus.
A mensagem da cruz foi transformada em “pregar os dogmas cristãos” e fazer com que todas as pessoas se convertessem ao cristianismo. Tudo mediante a entrega àquilo que o cristianismo afirma ser a vontade de Deus e a negação dos prazeres do mundo, como se isso pudesse ser trocado pela vida na glória. Esta, Deus dará a todos e todas que seguirem seus passos.
No entanto, uma leitura dos Evangelhos revela que a mensagem da cruz está bem distante desse discurso. Afinal, neles é possível ler o profundo envolvimento que Jesus teve com seu tempo, com as pessoas de sua comunidade e, principalmente, com os marginalizados que conviviam na região em que habitava. Longe de ser alguém que negava os prazeres do mundo (lembrem-se de que ele foi chamado de glutão e bebedor de vinho), os Evangelhos mostram um Jesus que se alegrava com a vida e tinha por ela grande apreço.
Os Evangelhos revelam um Jesus que ao falar do mundo não falava das coisas existentes, mas de um sistema de poder que corrompe os seres humanos e a natureza, de uma forma de vida que se volta somente para si e esquece o próximo, que também é a imagem de Deus, de maneira que “não ameis o mundo nem as coisas que nele há” quer dizer não se entregar a um sistema que tem como bandeira o egoísmo e a falta de empatia com o próximo.
A mensagem da cruz também, como mostram os Evangelhos, não tem a ver com a pregação de um conjunto de dogmas a ser obedecidos para se angariar uma recompensa no final. Muito pelo contrário, desfaz a noção de um Deus contabilista que mede boas e más ações para dar uma recompensa aos bons e um castigo aos maus. No lugar, encontra-se o amor que dá a vida em prol daqueles e daquelas a quem ama, amor que se entrega e nos convida a fazer o mesmo em prol dos nossos semelhantes. Dessa forma, se é em amor que a entrega é feita, então, não o faz para buscar uma recompensa e, na verdade, nem espera por ela, uma vez que fazer algo esperando a recompensa não é amor, mas serviço prestado.
Cantar essa música, portanto, deve nos fazer repensar se o que temos levado é realmente a mensagem da cruz, do amor de Deus pela humanidade que o faz se entregar em favor de muitos, ou se estamos levando um apanhado de dogmas para que pessoas se convertam a determinada religião. Do mesmo modo, faz-nos repensar se a cruz que estamos levando não é somente um fardo imposto por um esquema religioso ou se é realmente o símbolo da entrega e amor aos nossos semelhantes e aos marginalizados e marginalizadas desse mundo.
Por último, deve nos convidar a refletir se seguimos a Cristo porque nos encontramos com ele e tivemos nossas vidas transformadas ou se porque queremos no final receber uma recompensa pela vida “reta” que levamos aqui na Terra.
Amar a mensagem da cruz e proclamá-la é anunciar o amor de Deus ao mundo que não faz distinção de cor, raça, sexo etc. Ao mesmo tempo, implica em se engajar no mundo visando a sua transformação e a geração de vida, principalmente aos que se veem em face à morte diariamente, visto ser próprio do amor tal geração.
A mensagem da cruz implica amar o mundo e seus habitantes, lutar pelos direitos dos desfavorecidos, engajar-se na transformação da sociedade e odiar o sistema mundano que rouba, destrói e mata os desprivilegiados da atualidade.
Sem isso, todo discurso não passa de anúncio dogmático e fonte de lucro para líderes eloquentes.
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com

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