sábado, 3 de agosto de 2019

Livro mostra o outro lado das 'Folhas de relva'


'Dias exemplares' reúne textos curtos, anotações autobiográficas, poemas, esboços, ensaios e relatos, que e expõem a profunda humanidade e a capacidade de captar a realidade de maneira sensível do escritor norte-americano.


Walt Whitman relata impressões e histórias com sensibilidade única.
Walt Whitman relata impressões e histórias com sensibilidade única. (Arquivo Zephyr/Leemage/AFP)
Jovino Machado*
A folhinha dizia 13 de março de 1984. Foi nesta data que eu descobri Folhas de relva, de Walt Whitman (1819-1892). O livro foi o 11º publicado pela coleção Cantadas Literárias, da Editora Brasiliense. Agora neste século 21, tive a felicidade de me encontrar com o lirismo e a força poética da prosa do poeta na obra Dias exemplares, lançado em edição caprichosa pela editora Carambaia. Na aventura de uma vida com 40 anos de produção literária, W. Whitman escreveu textos curtos, autobiografia, trechos de poemas, rascunhos e ensaios. São "pacotes de diários", "anotações empacotadas e amarradas com um barbante”.
No começo dessa espécie de diário íntimo é contada a história de seus ancestrais. O autor dava muita importância, principalmente às mulheres, para a sua ancestralidade. É importante ressaltar o protagonismo da natureza nessas memórias. Como os pintores impressionistas gostavam de trabalhar ao ar livre, Whitman adorava escrever contemplando espetáculos de céu e de sol, ouvindo sinfonias de pássaros, descrevendo aves migrando no meio da noite, ao lado de flores, lagos, riachos, grilos e gafanhotos. Admirador das Mil e uma noites e também dos romances de Walter Scott, tomava banho de mar e declamava Homero e Shakespeare para as ondas e as gaivotas.
Leitor de romances, devorava tudo que lhe caía nas mãos. Também apreciava teatro, ópera e música e assistiu a muitos espetáculos em Nova York. Trabalhou como professor, gráfico e escritor, quase sempre de prosa, com fortuitas e tímidas incursões na poesia. No meio de suas reflexões sobre inspirações e artes poéticas, por volta de 1845 e 1846, encontrou-se com Edgar Allan Poe, então editor e proprietário do The Broadway Journal. Nesta época, o autor de O corvo chegou a publicar um escrito dele.
É muito saboroso saber que a obra do profeta da liberdade teve influência de viagens e cocheiros de ônibus da Broadway e que muitos escritos nasceram quando frequentava os teatros da Broadway e da Chatham Square, assistindo as óperas italianas na Chambers Street, no Astor Place ou no Battery. Ao longo de uma vida inteira dedicada à literatura, sua palavra cantada era palavra voando, palavras que saíam da alma de um humanista.
Depois de descobrir que seu irmão foi ferido na Guerra de Secessão, nos Estados Unidos, passou três anos como enfermeiro em hospitais, acampamentos e campos de batalha. Levando apoio espiritual e financeiro, escrevendo cartas para os parentes dos feridos, fez cerca de 600 visitas e passou diante de cerca de 80 mil a 100 mil feridos. Consolando os ex-combatentes à beira da morte, contava e ouvia histórias, que são contadas em boa parte de Dias exemplares.
No meio do sofrimento e da dor dos soldados, o poeta solidário escreve tempestades verbais, sem se esquecer da beleza das estações do ano, que aparecem nos relatos com molduras para a tristeza. Whitman toma a decisão de ser todos os homens e de escrever um livro que seja todos. É interessante refletir sobre o que disse Ezra Pound: "Whitman é, para a minha pátria, o que Dante é para a Itália”.
Em meio às luzes do entardecer, em Dias exemplares, o poeta-profeta repensa a vida e a morte. Em meio aos campos, é testemunha dos absurdos da guerra. No front, oferece o ombro amigo para aqueles que já não têm mais nenhuma esperança de vida. Oferece poesia nos derradeiros momentos. Se emociona com a morte dos jovens, construindo literariamente um painel humanista digno dos grandes homens. Seu amor pela humanidade era maior que a cabeça. Por isso, fazia política com o coração.
Walt Whitman foi o primeiro beatnik, influenciando muitas gerações de escritores. No prefácio de Folhas de relva, Paulo Leminski escreveu: "Se Maiakovski é o poeta da Revolução Russa, não é exagero dizer que Walt Whitman é o poeta da Revolução Americana, ocorrida uma geração (1776) antes do seu nascimento”.
Uma ode à beleza e à esperança, Dias exemplares é um hino de amor ao próximo, uma canção tempestuosa de ternura pela aventura de viver. Ao terminar a obra, o leitor certamente vai guardar uma grande lição: "Desesperar é não esperar mais”.
"Que pode haver de maior ou menor que um toque?"
W. Whitman
DIAS EXEMPLARES
De Walt Whitman
Tradução de Bruno Gambarotto
Editora Carambaia
368 páginas
R$ 109,90
*Jovino Machado é poeta, autor de 'Sobras completas' (2015) e 'Trilogia do álcool' (2018).

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