quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Um Deus apaixonado pela liberdade

A liberdade cristã é substituída pela busca excessiva de normas por fundamentalistas
O Deus bíblico, aquele a quem Jesus chamou de Pai, sempre foi amante da liberdade
O Deus bíblico, aquele a quem Jesus chamou de Pai, sempre foi amante da liberdade (Dawid Zawiła/ Unsplash)
Fabrício Veliq*

A vida cristã é uma vida de liberdade. Embora isso possa ser dito por muitos e constantemente, nem sempre se percebe na vida de várias comunidades cristãs. Comumente se encontra quem se diga seguidor de Jesus, mas cujas práticas se mostram avessas a qualquer tipo de liberdade. No seu lugar, prefere-se colocar modos de conduta e dogmas, como se fossem mais importantes que as pessoas.

Esse movimento contra a liberdade, por acreditar que “se der liberdade demais a coisa desanda”, tem se espalhado infelizmente por diversas denominações cristãs. Não se deve descartar a hipótese disso ser fruto da ausência de referências, típica das sociedades contemporâneas. Muito pelo contrário, a história nos mostra que são em momentos de crise e inflexão na sociedade que há um crescente de movimentos de regras estritas e adeptos a posturas mais fundamentalistas (algumas vezes extremistas).

A característica marcante desses movimentos reacionários é justamente o confronto com a liberdade. Em seu lugar, entram as famosas listas de “pode e não pode” supostamente desejadas eternamente por alguma divindade e, por isso mesmo, não passíveis de mudanças. Em outras palavras, a liberdade é substituída por algum tipo de ordem a ser obedecida, pois entendem que onde há liberdade demais o povo fica incontrolável.

Porém, ao fazer isso, seguem na contramão do princípio evangélico do amor. Como este pressupõe a liberdade, todo movimento que visa o rompimento com ela não pode ser baseado no amor nem considerado cristão.

O Deus bíblico, aquele a quem Jesus chamou de Pai, sempre foi amante da liberdade. Jürgen Moltmann, grande teólogo reformado contemporâneo, mostra que o conhecimento pelo povo de Israel em sua primeira experiência com Deus é feito a partir da libertação dada por ele. Deus é experimentado como o libertador, como o promotor de liberdade para seu povo. A mesma ideia está presente nos Evangelhos quando mostram Jesus da mesma forma. Assim como Deus liberta seu povo da escravidão do Egito, Jesus liberta seu povo da escravidão da morte.

Diante disso, não há Evangelho que não passe pela liberdade. Ela deve ser celebrada, festejada e proclamada todas as vezes que ocorrer o anúncio da obra redentora de Cristo nos dias de hoje. Da mesma forma, lutar pela liberdade dos que são escravizados, dos que sofrem torturas e dos que estão presos sob sistemas de injustiças é tarefa cristã da qual não é possível se esquivar, caso se queira fazer uma teologia séria.

A liberdade, contudo, afronta os detentores do poder, seja eclesiástico, político ou econômico. Este último, principalmente em sua via ultraliberal, disfarçado como amante da liberdade, prega ela se deve somente a quem tem poder financeiro para bancá-la. Portanto, seria restrita a somente alguns. No entanto, toda liberdade que não visa ser universal não pode ser considerada cristã. Deve receber seu verdadeiro nome, que é ideologia de manutenção do status quo.

A liberdade cristã, baseada na vida de Jesus, como mostrada pelos Evangelhos, destina-se a todos porque todos são filhos do mesmo Pai, não havendo privilégio para qualquer grupo que seja. Assumi-la, desse modo, é também lutar por igualdade social e justiça. 

Não há como ter liberdade para todos se não há justiça, bem como não há como ter justiça sem igualdade social e, consequentemente, não há como ter liberdade sem que ambas as questões estejam resolvidas. Com isso em mente, quem se diz seguidor de Jesus e ao mesmo tempo, vendo toda liberdade não dogmática como risco, e se abstém de se posicionar contra a injustiça e a desigualdade, não compreendeu a proposta do Evangelho.

*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário