sábado, 14 de dezembro de 2019

Do desalento à esperança

domtotal.com

A pobreza é culpa da metade da população brasileira que sobrevive com menos da metade de um salário mínimo?


O ano termina com o desanimo como fenômeno social
O ano termina com o desanimo como fenômeno social (Ben Hershey/ Unsplash)
Élio Gasda*
Desalento. Abatimento. Desanimo. Prostração. Desesperança. O mal-estar alastra-se, o colapso da natureza avança, a democracia declina, a injustiça campeia. Tanta gente à espera de um emprego, um trabalho qualquer. A espera de um alimento, de um teto.
O Brasil chegou ao final de 2019 com quase 5 milhões de trabalhadores que desistiram de procurar emprego, 25 milhões improvisam soluções e se viram por conta própria (vendedores de cachorro quente, doces, bebidas, etc.), 12 milhões trabalham sem carteira, e 40 milhões estão na informalidade (41,4% da força de trabalho). Há ainda 3,2 milhões de desempregados que estão procurando trabalho há quase três anos. A taxa de subutilização da força de trabalho ficou em 24,3%, ou seja, falta trabalho para 28 milhões de brasileiros.
A situação social seria ainda pior se estes 40 milhões não se sujeitassem a atividades informais. As pessoas encaram o que encontram, não importa o grau de humilhação que se submetem. A desesperança revela uma realidade cruel, perversa e violenta. O que era para ser uma exceção virou regra.
O desalento não para por aí. Entre o final de 2014 e o segundo trimestre de 2019, a renda do trabalho dos 50% mais pobres da população despencou 17,1%. Nesse grupo, estão 105 milhões de pessoas que ganham até R$ 425 de salário.  O país tem também 52,5 milhões de pessoas na linha da pobreza, vivendo com menos de R$ 420 por mês. Em outro extremo, no mesmo período, a renda do 1% mais rico, pessoas que ganham entre R$ 5.911 e R$ 11.781 no mercado de trabalho cresceu 10,11% (Fundação Getúlio Vargas).
A pobreza existe porque “pobre não poupa”, disse o ministro da economia, Paulo Guedes. A pobreza é culpa da metade da população brasileira que sobrevive com menos da metade de um salário mínimo? Além de agredir a nossa inteligência, o ministro mostrou que Jair “messias” governa para os ricos.
O ano termina com o desanimo como fenômeno social. É preciso, mais que nunca, não deixar morrer a esperança que ainda resta. Mas não a esperança alienada, mas aquela capaz de mobilizar a sociedade. O cristão verdadeiro deposita sua esperança no único Messias, não no messias fake ungido por fundamentalistas católicos/evangélicos. Não é esse o messias anunciado que implantaria o direito e lideraria o povo com misericórdia (Bar 5,9); que com justiça toma decisões em favor dos pobres (Is 11,4).  Sem esperança no Verdadeiro Messias, o Natal se torna um faz de conta. Melhor esperar papai Noel.
Testemunhar a esperança tornou-se um desafio, mas é um dom de Deus. “Há um só corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança no chamado que recebestes” (Ef 4, 4). A esperança é um mistério. É sempre promessa de algo ‘novo’ que há de vir, é uma notícia boa! Cristo, nossa esperança, é a contradição radical contra a injustiça, a violência, as discriminações.
“Alegrai-vos! O Senhor está próximo. Seja conhecida de todos a vossa bondade” (Flp 4, 4-5). Jesus não se encarnou em qualquer mundo, mas no mundo dos explorados, dos trabalhadores. Por isso, “Os pobres são os primeiros portadores da esperança, como José e Maria e os pastores de Belém. Enquanto o mundo dormia recostado nas tantas certezas, os humildes preparavam no silêncio a revolução da bondade” (Papa Francisco).
A esperança cristã rompe com conservadorismos e fundamentalismos. Que o cristão esteja preparado a dar a razão da sua esperança a todos que pedirem (cf. 1Pd 3,15). Quais seriam as razões da tua esperança nestes tempos desalentadores? Não sabemos sequer como será o amanhã. Apenas esperamos. Após todos os retrocessos de 2019, o que esperar? Somos responsáveis pelo tipo de esperança que alimentamos. Esperar o que depende de nós, sem ilusões em intervenções extraordinárias. Ele não deseja nada além das possibilidades. A esperança é virtude teologal vivida comunitariamente, nunca de maneira individualista. Ela é inseparável da fé e da caridade. A caridade é maior que a esperança. Só o amor nos aproxima de Deus (1 Jo 4,8).
Quem espera amando não se conforma com a realidade. Pessoas de esperança são insatisfeitas com o estado atual das coisas. Seu coração inquieto não se acomoda, mas luta por um futuro que acredita. “A esperança nos mostra que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo” (Laudato si, 61). Apesar do desalento e do cansaço, “que as nossas lutas e preocupações não nos tirem a alegria da esperança” (Laudato si, 244).  
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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