terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Quando a fé se cala

A fé autêntica não se expressa apenas no anúncio, mas também na denúncia do anti-Reino
Convivência com o mal, que se manifesta na apatia e no silêncio diante da realidade, é imediatamente uma resposta negativa à Deus
Convivência com o mal, que se manifesta na apatia e no silêncio diante da realidade, é imediatamente uma resposta negativa à Deus (Maria Teneva/ Unsplash)
Tânia da Silva Mayer*

A fé cristã é precisamente uma resposta humana a Deus que quer ser sempre mais conhecido em seu mistério. E essa resposta é dada na história. Ora sim, ora não, corre-se o risco dos crentes responderem negativamente à relação principiada por Deus. Quando isso acontece, é possível que se tenha caído em idolatria e esta também pode aparecer sob a forma de um silenciamento diante das injustiças do mundo.

Essa convivência com o mal, que se manifesta na apatia e no silêncio diante da realidade, é imediatamente uma resposta negativa à Deus. Por isso mesmo, nada pior que confessar a fé pela boca e fechar os olhos para as perversidades e maldades praticadas contra o povo ou contra indivíduos específicos.

Em diversos momentos da história, a idolatria foi uma condição dos crentes e das instituições religiosas cristãs. Ainda que os olhos estivessem vislumbrando os diversos momentos de injustiça da história, a boca fechada foi incapaz de denunciar a instauração daquilo que se configura como realidade contrária ao Reino anunciado e inaugurado por Jesus. Nesses momentos, fica evidente o descompasso dos crentes com a fé que abraçaram e como esta se desenvolve caducamente na história, esquecendo-se do seu fundamental.

Uma fé boa sabe equilibrar a audição da palavra de Deus e seu anúncio com a denúncia daquilo que se instaura como sistema de morte para o ser humano e para o mundo. E esse equilíbrio é fruto de um discipulado autêntico que é muito diferente de panfletagem religiosa light do Evangelho.

Em nossos dias, os crentes e as instituições religiosas cristãs falam muito sobre ouvir e proclamar a palavra e até propõem planos para alcançar essa meta. Mas, curiosamente, permanecem mudos, em silêncio caiado diante dos absurdos e maldades praticadas corriqueiramente diante de todos.

O silêncio não é a melhor resposta para a fé. A melhor resposta é aquela que não se intimida e não se ajoelha diante dos graves problemas e dos antigos fantasmas, como o fascismo e o nazismo, que impedem o Reino se efetivar em nosso meio e a vida ser mais. Enquanto permanecerem apáticos à história, a idolatria prevalecerá sobre a fé, que não será mais que uma religiosidade fraudada.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.pala

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