segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Governo trava concursos para pressionar aprovação da reforma administrativa

Novas vagas serão 'moeda de troca' por mudanças nas regras do funcionalismo
Ministro Paulo Guedes (à esq) comanda mudanças e traça as estratégias
Ministro Paulo Guedes (à esq) comanda mudanças e traça as estratégias (Isac Nóbrega/PR)

A aprovação de novos concursos públicos federais virou moeda de troca do governo para pressionar o Congresso e conseguir aprovar a reforma administrativa. À espera da definição, pelo presidente Jair Bolsonaro, do melhor momento político para enviar a proposta de reforma ao Legislativo, a equipe econômica decidiu segurar os processos seletivos até a nova proposta - que promete mexer com as carreiras do funcionalismo - receber o aval dos parlamentares.

A aposta do governo é de que o "estrangulamento" natural dos serviços públicos, decorrente de um grande número previsto de pedidos de aposentadoria neste e nos próximos anos, acabe fazendo com que as próprias categorias aceitem a reforma, para que voltem a contar com novas vagas nos órgãos federais. Outro fator que pesa nessa balança é o consequente aumento da carga de trabalho.

Desde o ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem chamado atenção para a quantidade de servidores que devem deixar os cargos nos quatro anos de governo Bolsonaro.

De acordo com o Ministério da Economia, são 22 mil aposentadorias previstas no funcionalismo federal em 2020. Outras 16,7 mil são estimadas para 2021 e mais 20,8 mil em 2022, totalizando quase 60 mil servidores em três anos.

Pelos cálculos da pasta, 21% dos servidores vão se aposentar até 2024. Outros 42% deixam o posto até 2030 e 61%, até 2039. Os novos servidores que irão entrar para o serviço público depois da aprovação da reforma já estariam sob o guarda-chuva de um novo regime.

Após promessas e recuos, Bolsonaro garantiu que enviará a reforma ao Congresso Nacional nas próximas semanas. Documento do governo que serviu de referência para elaboração da proposta mostra que a porta aberta para as mudanças se baseia em dois fatores: o alto volume de aposentadorias nos próximos anos e a transformação digital dos serviços públicos.

A equipe do ministro da Economia considera que tem uma "janela de oportunidade" para fazer as mudanças do chamado "RH do governo", uma das mais complexas reformas e tema de difícil aprovação no Congresso, devido à força e organização do funcionalismo dentro do Parlamento.

Integrantes da área econômica, em conversas com as lideranças sindicais, têm reforçado esse ponto e alertado que a proposta não altera as regras para os servidores atuais, tampouco a remuneração.

Hora de esperar

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, destacou que o importante da reforma administrativa é que ela seja aprovada antes de se começar a fazer concurso público novamente.

"Uma vez que se começa concurso público, e a pessoa entra numa determinada regra, aquilo está praticamente definido pelos próximos 30 anos. Enquanto não aprovar a reforma, não vamos ter espaço para fazer novos concursos", afirmou o secretário.

Não há, até o momento, uma autorização para a realização de nenhum concurso público na esfera federal em 2020 para servidores civis. O orçamento deste ano só contempla o aumento no contingente das Forças Armadas.

Enquanto não se decide sobre a reforma, o governo tem buscado a digitalização dos serviços, em vez de contratação de pessoal.

Em evento na última quarta-feira (12), o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, lembrou que a realização de novos concursos públicos representa a criação de vínculos de 70 a 80 anos para a União, considerando o período na ativa do servidor, o período como aposentado e ainda o tempo dos pensionistas. "É preciso ver se o concurso realmente é necessário. Caso contrário é preciso investir na digitalização de processos e na contratação de temporários para solucionar questões pontuais", afirmou, na ocasião.

Apagão no INSS

A estratégia de retenção de concurso público deu errado no INSS. A crise deflagrada pelas longas filas para a obtenção de benefícios previdenciários derrubou a cúpula do órgão e forçou a equipe econômica a improvisar soluções, como a tentativa de convocação de militares da reserva para a realização do serviço. Na semana passada, o governo prepara uma medida provisória para a contratação temporária de servidores já aposentados não só para o INSS, mas também para outros órgãos.

O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) alerta que o apagão no INSS pode se repetir em outras áreas. Pelas contas da instituição, só na Receita Federal faltariam 21.714 servidores para se alcançar o quadro ideal. Os déficits de servidores em relação ao nível considerado adequado pelo fórum também já seriam altos no IBGE (65%), na Controladoria-Geral da União (61,5%) e no Banco do Brasil (43 9%).

"É a população que vai pressionar o governo a voltar a fazer concursos, com ou sem reforma. Basta a população sentir que os hospitais não têm atendimento, que não há matrículas em universidades, que outros órgãos estão com filas como a do INSS" rebate o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.

Segundo ele, além das aposentadorias que devem retirar entre 20% e 25% da força de trabalho do serviço público federal nos próximos anos, há ainda outros 120 mil servidores já aposentados que voltaram ao serviço com o abono de permanência. "Juntando todos esses funcionários, podemos perder até a metade da capacidade de atendimento se novos concursos não voltarem a ser realizados", ressalta.

Estabilidade

Pela proposta de reforma administrativa do governo, os concursos deixam de ser a porta de entrada definitiva para o serviço público. Quem passar em concurso só será efetivado como servidor público depois de um período trabalhado. Nessa fase, o funcionário será avaliado conforme sua aptidão para o cargo. O prazo de avaliação ainda está sendo definido e deverá ser de dois a três anos. Nada muda na prova técnica do concurso.

Hoje, quem passa em concurso e se torna servidor efetivo faz, antes, um estágio probatório, no qual apenas 0,2% são desligados.

Os demais 99,8% dos servidores que fazem o atual estágio probatório permanecem nos cargos. Para a área econômica, esse ponto é central na reforma administrativa e constará na PEC. O diagnóstico é que há servidores que passam na prova técnica, mas não estão aptos para o cargo.

Agência Estado/Dom Total

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