quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Parasita: do inferno dos pobres é feito o paraíso dos ricos

Totalitarismo invertido rouba e explora os pobres, dominando a política e reproduzindo a barbárie
O único fim do bolsonarismo de Paulo Guedes é um capitalismo neoliberal forte
O único fim do bolsonarismo de Paulo Guedes é um capitalismo neoliberal forte (Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil)
Élio Gasda*

O Brasil não é mais um Estado Democrático de Direito. A fusão do poder econômico (Paulo Guedes) com o poder político (Bolsonaro et caterva) envenenou a democracia em sua raiz. A ascensão de uma nova configuração política formada pelo poder das corporações empresarias-midiáticas-religiosas originou o chamado “totalitarismo invertido” (Sheldon Wolin). A fusão entre Estado e corporações gera precariedade e insegurança, abrindo caminho para a tirania dos mercados. É a involução da democracia pela força da economia. Não há qualquer instituição da República que possa ser identificada como democrática de fato. Um país onde 92% da população tem renda abaixo do auxílio moradia de um juiz não pode ser chamado de democrático.

O totalitarismo invertido mantém um respeito aparente às regras democráticas, ao processo eleitoral, à Constituição, aos direitos civis, à liberdade de imprensa. Aproveita os mecanismos do Estado para tornar o indivíduo impotente e acuado. O totalitarismo invertido rouba e explora os pobres, reduzindo os programas de saúde e os serviços sociais, disciplina o sistema de educação para formar uma força de trabalho semi- escravizada, dócil, insegura e miserável.

A cidadania é de fachada, praticada sob um estado contínuo de preocupação e desalento. Indivíduos inseguros desejam a proteção do Estado, nunca o envolvimento político. O totalitarismo invertido produz um ambiente permanente de instabilidade para manter passivos os trabalhadores. O trabalho sem direitos (disfarçado de empreendedorismo), precário, cria uma economia do medo e se alimenta da incerteza.

O totalitarismo invertido alimenta a política o tempo todo, mas uma política que não é política. Os ciclos eleitorais intermináveis e irracionais são um exemplo de política sem política. As campanhas eleitorais não discutem questões estratégicas substantivas. Centram-se em personalidades de retórica vazia e anúncios ridículos.

Os debates políticos não passam de distração. O objetivo das eleições é fornecer governantes flexíveis para que as corporações e seus lobistas os controlem. Nesta estratégia de despolitização antidemocrática, o acesso ao poder do Estado é inacessível ao eleitor comum. As facções (milícias, no caso brasileiro) no poder destroem os valores republicanos e éticos para anular a comunidade política. O processo político parece uma briga de bar. O crime organizado não está nas favelas, está no governo brasileiro.

Em regimes totalitários clássicos a economia está subordinada à política. No totalitarismo invertido, a economia domina a política e reproduz novas formas de barbárie à medida que se consolida. Os direitos sociais são revogados por meio de decretos. Tribunais e órgãos legislativos reinterpretam as leis para despojá-las de seu significado original a fim de fortalecer o poder das facções. Não há ministério da justiça.

Nega-se a Constituição por meio de interpretações judiciais. Se a população empobrecida, despojada de seus direitos, tornar-se inquieta, o totalitarismo invertido se torna tão brutal quanto os totalitarismos do passado. Em nome da segurança interna, o poder do Estado, agora liberado das obrigações constitucionais e das restrições judiciais, aciona a violência policial contra pobres, negros e movimentos de resistência. Um Estado homicida, que mata de forma impune. A polícia atua como juiz, júri e carrasco para os pobres. Não existe democracia quando o Estado está militarizado. A mídia monocromática cria um muro contra a qual a resistência luta em vão. Os críticos são descartados como irrelevantes, ou comunistas.

Não haverá volta à democracia até que o totalitarismo invertido seja derrotado. Toda medida de governo que fortaleça o capitalismo representa mais um palmo de terra na sepultura da democracia. Sepultada viva? Talvez. O único fim do bolsonarismo de Paulo Guedes é um capitalismo neoliberal forte. Este é o cenário. O resultado é um governo dedicado a travar a guerra contra seu próprio povo. “Assim governa o dinheiro. Com o chicote do medo, da violência econômica, cultural e militar que gera mais violência contra os pobres em uma espiral infinita” (Papa Francisco, III Encontro Mundial dos Movimentos Populares).

O único projeto de um governo a serviço dos verdadeiros parasitas (banqueiros, latifundiários, especuladores financeiros, corporações internacionais, mídia) consiste em ajustar o país ao totalitarismo da economia. Quanto mais extremo é o capitalismo, mais profundo é o abismo social.

Tempos sombrios? Apenas para os pobres, esses sub-humanos que se amontoam nos porões da sociedade em meio a ratos e baratas, são sujeitos de segunda categoria que se distinguem pelo mau cheiro. A repugnância provocada pelo fedor do trabalhador manifesta todas as injustiças contra esses que são a “carne de Cristo” (Mt 25, 31-46).

“Muitos ricos e cheirosos, encastelados em suas mansões superprotegidas, procuram Jesus no Sacrário, mas Ele está debaixo do viaduto” (Julio Lancelotti). “Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça com desigualdade” (papa Francisco).

Sem democracia, sem desenvolvimento, sem justiça – Brasil dos parasitas. The Oscar goes to... Paulo Guedes e sua elite do atraso.

A frase que dá título a este texto, "do inferno dos pobres é feito o paraíso dos ricos", consiste numa citação de Victor Hugo.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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