quinta-feira, 5 de março de 2020

Padre envolvido em causas ambientais da Amazônia é agredido no Amapá

Padre investigava irregularidade em lote de terra quando foi agredido por fazendeiro
Pe. Dennis Koltz é missionário estadunidense do PIME e membro da Pastoral da Terra
Padre investigava irregularidade em lote de terra quando foi agredido por fazendeiro
Padre investigava irregularidade em lote de terra quando foi agredido por fazendeiro (AFP)
O padre Dennis Koltz, missionário estadunidense do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras (PIME) na Diocese de Macapá, foi repetidamente agredido e investido pelo automóvel de um fazendeiro, por ter investigado a regularidade das licenças de um lote de terra. Um ato de violência que se insere na luta diária que na Amazônia expulsa pequenos agricultores em favor de grandes plantadores de soja.

A agressão ocorreu no dia 25 de fevereiro, em São Benedito da Campina, onde o missionário vive e exerce seu ministério. Além de ser administrador paroquial da paróquia de São Joaquim de Pacuí, também trabalha na Pastoral da Terra. E foi precisamente durante uma visita pastoral que a agressão aconteceu.

A agressão

O sacerdote estava no carro com o padre Sisto Magro, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Macapá. Nas proximidades de uma grande fazenda, os dois pararam (estavam dentro do carro) e o padre Dennis saiu do veículo para tirar uma foto da placa com informações sobre a propriedade daquela terra. Por lei, as placas com informações sobre as concessões de terras devem ser colocadas "à vista". Mas nesse caso, a placa estava, segundo relatam os dois missionários, bastante escondida e, portanto, era "suspeita". Nesse momento, um homem se apresentou como dono da fazenda e deu início a uma violenta discussão verbal, que culminou com a agressão física do fazendeiro contra o missionário.

O homem, que a princípio tentou pegar e quebrar as chaves do carro dos missionários, bateu repetidamente no rosto de padre Dennis. Então entrou em seu carro, jogando-o repetidamente contra carro dos dois padres, destruindo o lado direito. "Como se não bastasse — diz o padre Sisto, que testemunhou a cena — o homem, depois de tudo isso, também apresentou uma queixa dizendo que o padre Dennis havia invadido sua propriedade, quando isso não era verdade. Ele também afirmou que o próprio padre Denis tentou atropelá-lo, razão pela qual reagiu para tentar escapar da agressão".

Solidariedade 

O relatório do padre Sisto, acompanhado com os exames médicos realizados pelo padre Dennis, faz parte da declaração oficial emitida pelo Gabinete de Comunicação da Diocese de Macapá.

Existe uma grande preocupação com a segurança de padres e leigos que trabalham na Pastoral da Terra (CPT) ou Comissão Pastoral da Terra, órgão da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), criada em 1975 e comprometida com a promoção da conquista de direitos e terras, da resistência na terra, da produção sustentável.

Preocupada com a segurança de padres e leigos que trabalham na Pastoral da Terra, a Diocese local, assim como muitos outras pastorais, associações e organizações pastorais envolvidas na luta pelo direito à terra, expressaram sua proximidade com os missionários e com o PIME pelo ocorrido.

Luta pela terra

“O problema diz respeito aos caboclos, aos mestiços que cultivam terras que nunca foram oficialmente reconhecidas por gerações. O Estado hoje procura atribuí-las às empresas, dizendo que trazem trabalho, desenvolvimento, modernidade. A Amcel, uma grande empresa de celulose ligada ao grupo japonês Nippon Papers Industries, possui cerca de 300 mil hectares de terra", disse o padre Sisto em entrevista publicada no limiar do Sínodo sobre a Amazônia.

“Em 2009, tiveram início as ações judiciais da multinacional japonesa contra várias famílias de pequenos agricultores. Os juízes não levam em consideração a situação, mandam embora pessoas que viveram por trinta, quarenta ou cinquenta anos em um mesmo lugar. Já existem 200 famílias que perderam suas terras devido a documentos muito duvidosos obtidos pelo órgão fundiário da União. Pelo menos duas vezes por mês estou no Tribunal com essas pessoas. Sem dinheiro, eles só podem se defender com advogados profissionais que muitas vezes nem conhecem o direito agrícola. Mas superamos algumas causas. Não tanto contra a Amcel, a multinacional de celulose, mas contra as empresas de soja. Os promotores federais entraram em cheio nesses casos, descobrindo o pacote de concessões. Mas a situação ainda é crítica", acrescentou o padre Sixtus.

Uma guerra diária

De fato, existe uma verdadeira "guerra" diária. "Somente em 2017, foram emitidos 26.523 títulos de propriedade e 97.030 contratos de concessão de uso, que superam a soma dos últimos dez anos. Segundo a CPT, em janeiro de 2019, o objetivo não declarado dessa política é beneficiar o mercado fundiário, já que muitas famílias frágeis, facilmente tiveram que ceder à pressão de empresas agro-alimentares e grandes proprietários de terras e vender suas parcelas".

Uma guerra que deixa também vítimas: “Mais de três pessoas foram mortas em todo o mundo a cada semana em 2018 por defenderem suas terras e o ambiente em que vivem. Um total de 164 cidadãos comuns (o relatório contém a lista completa de nomes) foram assassinados por tentarem defender suas casas, florestas e rios dos lobbies considerados culpados de querer explorar seus recursos para fins especulativos", conforme dados do relatório anual Inimigos do Estado 2019 da Global Witness.

O Brasil em 2019 contou bem 23 mortos. Em 2005, a irmã Dorothy Stang, missionária estadunidense das Irmãs de Nossa Senhora de Namur, perdeu a vida no Estado do Pará, e ainda hoje é lembrada como símbolo da luta pela terra e, acima de tudo, pela disponibilidade da Igreja universal em apoiar os mais fracos. 

Nota de esclarecimento da Diocese de Macapá

A Diocese de Macapá, através da Pastoral da Comunicação e da Comissão Pastoral da Terra, vem a público apresentar alguns esclarecimentos dos fatos ocorridos nesta terça-feira, 25/2, na localidade de São Benedito da Campina, e amplamente divulgado pelos meios de comunicação, envolvendo o administrador paroquial de São Joaquim do Pacuí, padre Dennis Kltz, e o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) diocesana, padre Sisto Magro, ambos missionários do Pontifício Instituto de Missões Exteriores (Pime).

1. Enquanto realizavam visita de caráter pastoral pela área, prática comum na atividade desenvolvida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) há mais de 40 anos em solo amapaense, especialmente após denúncias de membros de comunidades da região, os missionários se deslocaram até as proximidades da Fazenda São Sebastião com o objetivo de se certificar inicialmente de que a ocupação da área apresentava a identificação de licenciamento exigida por legislação. Para isso, realizavam no momento um registro fotográfico da placa que deveria conter as informações da natureza do uso e a validade do licenciamento da mesma. O registro, para ciência e arquivo em relatórios da CPT, fora o motivo do início das discussões entre aquele que se apresenta como proprietário e os missionários. Vale ressaltar que se tratava apenas do registro da placa, instrumento obrigatório de publicidade do licenciamento.

2. Os padres estavam fora da área propriedade quando do inicio do desentendimento entre as partes. O acesso a área só fora realizado pelo fato da placa com as informações do licenciamento não está fixada nas proximidades da cerca, como deveria estar em propriedades rurais para transparência e/ou fiscalização.

3. Após a discussão, os padres tomaram a decisão de se retirar do local quando foram surpreendidos pelo senhor proprietário avançando e debruçando-se para dentro do carro dos padres na intenção de retirar, ou mesmo, quebrar a chave na ignição para impedir que os mesmos se retirassem do local. Na tentativa frustrada de apropriar-se da chave do carro que os padres estavam, o senhor proprietário iniciou as agressões físicas ao padre Dennis, desferindo sobre o religioso socos entre as costelas, peito e cabeça, comprovados pelo exame de corpo de delito realizado pelo sacerdote.

4. Em nenhum momento os padres realizaram qualquer tipo de ameaça ou atentado a vida tanto do proprietário quanto de seus familiares. Todo o contato físico ocorreu tão somente em caráter de preservação da própria integridade física dos missionários, após a iniciativa de agressão pela outra parte.
5. Ainda enquanto pretendiam retirar-se do local, os padre foram surpreendidos com o carro dirigido pelo proprietário em direção aos dois sacerdotes quando já haviam retornado para o interior do automóvel de uso nas atividades pastorais naquela região. Pela manobra realizada pelo motorista e pelo estado que o transporte do sacerdote foi atingido percebe-se a intencionalidade de agressão direta, o que poderia ter uma conseqüência fatal, que felizmente, não ocorreu.

6. Após todo o ocorrido, os missionários dirigiram-se as autoridades policiais onde também realizaram o boletim de ocorrência. Na próxima quinta-feira, 27, uma audiência Delegacia Geral de Polícia será realizada com a presença das partes envolvidas para esclarecimentos.

7. Diante dos fatos e esclarecimentos, a Diocese de Macapá manifesta solidariedade aos missionários e recorda seu compromisso na construção de uma sociedade mais justa, em favor dos menos favorecidos, dos pobres e excluídos. Compromisso este expresso na iniciativa de organismos envolvidos na promoção da justiça e do bem comum, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O fato ocorrido às vésperas da Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma e da Campanha da Fraternidade, que este ano tem como tema Fraternidade e Vida – Dom e Compromisso, ressalta a urgência de um autêntico testemunho cristão em defesa da dignidade da vida e das famílias no interior do estado que hoje sofrem com a apropriação e ocupação da terra de forma muitas vezes indevida.

Macapá/Ap, 26 de fevereiro de 2020
Pastoral da Comunicação
Comissão Pastoral da Terra

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