quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A noite em que a humanidade inteira morreu

Aqueles que crescem em sistemas de violência podem se transformar em monstros.

Execução de judeus: risco de a história se repetir.
Por Gianluca Ferrara*

Passaram-se 69 anos desde aquela terrível manhã de 12 de agosto de 1944, quando, em um pequeno vilarejo encastelado nos Alpes Apuanos, a fúria nazista matou 560 civis, incluindo 130 crianças.

As atrocidades cometidas pelas SS foram chocantes. Chegaram a fazer o parto de uma mulher, Evelina, e, antes de matá-la, diante dos seus olhos, atiraram na cabeça do seu filhinho. Foram encontrados ainda unidos pelo cordão umbilical.

Naquela manhã de 69 anos atrás, as SS, lideradas por alguns fascistas locais, levaram o inferno para Sant´Anna, em um lugar que se considerava como distante dos ventos da guerra.

Mas, naquele dia, além do massacre das 560 vítimas, ocorreu um crime ainda maior, que é a morte do ser humano, da sua humanidade. Um crime ou, melhor, um suicídio que a história nos lembra que acontece muitas vezes, basta pensar nos campos de concentração, nas tantas guerras que incendeiam o mundo.

A atrocidade de certos atos é difícil de elaborar, e assim se comete o erro de não lembrá-la. É como se se desencadeasse na mente um mecanismo de defesa. Freud argumentava: "A mente afastará sempre, mesmo que inconscientemente, a realidade dolorosa". A realidade é que é doloroso demais concluir que, potencialmente, cada um de nós, se for inserido em ideologias malvadas, se tiver crescido em sistemas de violência, pode se transformar em um monstro.

Mas a história deveria servir justamente para nos indicar linhas a seguir para evitar certos desvios. Infelizmente, isso nem sempre acontece, e o ser humano precisa reviver certas brutalidades. Muitas vezes, em vez de propor modelos diferentes das violências que se sofreu, as vítimas se tornam carnífices.

O que o povo palestino está sofrendo é uma aberrante prova disso. Para as recentes guerras que nos viram também diretamente envolvidos, como no Iraque e no Afeganistão, chegamos até a nos erigir como paladinos da liberdade e, com essas vestes, bombardeiam-se países, sugam-se as riquezas de territórios matando milhares de civis.

Sem falar da hipocrisia, além disso, violando também o artigo 11 da Constituição italiana, quando se trata de missões de paz. A última morte de um soldado italiano, em ordem de tempo, recolhe essa incongruência em uma foto do jornal La Repubblica, em que uma frase de um conhecido do falecido afirmava entre aspas que este último era um portador de paz, que amava a paz, e embaixo havia a foto de um militar italiano armado até os dentes, pronto para o ataque.

Sobre isso, devemos ser claros: a paz, a verdadeira, é conquistada com o diálogo paciente, semeando o bem, e não com armas! É fundamental, especialmente para os mais jovens, manter viva a memória. Mas ainda mais importante é ensinar a atualizar o que aconteceu há 69 anos, entender hoje onde, de que forma e por quais motivos se exerce o mal da guerra.

É preciso entender, juntamente com os jovens, por que somos tão servis aos potentados militares, tanto que, na Itália, investimos diariamente 70 milhões de dólares em armamentos e devemos comprar caças-bombardeiros defeituosos para os quais cada capacete individual custa 2 milhões de dólares.

É preciso entender por que esse Sistema mundial investe a cada ano 1,75 bilhão de dólares em armamentos, quando bastariam cerca de 40 para pôr fim à fome no mundo.

À nova geração, deve ficar claro que as armas como deterrente e a guerra para assegurar recursos sempre crescentes são seiva vital para esse Sistema neoliberal. Esse Sistema do crescimento infinito em um mundo finito é portador sadio de desigualdades como nunca tidas no passado (a cada ano, morrem cerca de 50 milhões de pessoas por fome).

Se não se muda esse Sistema, as recorrências para lembrar o mal de ontem serão apenas estéreis cerimônias para purificar a alma dos crimes de hoje.
* A opinião é do editor e escritor italiano Gianluca Ferrara, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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