quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Brasileiro não gosta de ler porque essa oportunidade nunca lhe foi dada



(Foto: Reprodução)
Texto de Guilherme Rezende

Sempre ouço de várias pessoas, de diferentes classes sociais, que o brasileiro não gosta de ler. Diante dessas afirmações, eu me pergunto: o brasileiro tem acesso correto à leitura? Volto à minha infância. Sempre gostei de ler. Na minha casa, os livros tinham tanta importância quanto meus brinquedos. Na estante, figuravam carrinhos, caminhões, pipas e... livros. Meus pais e eu trocávamos informações sobre livros e autores. Comecei pela leitura mais saborosa que uma criança pode fazer: Maurício de Sousa e sua turminha. Passei por Monteiro Lobato. Pedrinho era tão íntimo quanto meu vizinho de porta no prédio onde morava. Com 16 anos, já lia Roberto Drummond, Jô Soares, Fernando Sabino e meu preferido: Luis Fernando Veríssimo.

Interessante observar que,quando faço uma viagem à minha infância e à literatura que a cercava, sempre me lembro da minha casa, nunca da escola. O motivo é simples. Com oito anos, já era obrigado a ler Machado de Assis, Eça de Queiroz e tantos outros autores clássicos que – sem juízo de valor – não caem bem a uma criança. Linguagem pesada, temas densos, questões e anseios que passam longe do universo infantil. Hoje, com modesta bagagem literária, atrevo-me a ler os clássicos. Talvez para superar o trauma de saber qual era, realmente, o lance com Capitu. Questão que tive que resolver sem antes mesmo saber nada do mundo adulto e seus labirintos freudianos. 

A infância nos instiga a ter prazer nas ações. A escola nos tolhe. Os pais deram de papel passado aos professores a responsabilidade da educação de seus filhos. E pensar que quem me ensinou a ler a primeira palavra foi meu pai. Quando li pela primeira vez a palavra “bola”, meus olhos se estatelaram. Por vezes, adiava a brincadeira no quintal para buscar palavras em jornais velhos que eu talvez pudesse conhecer. Tudo sem obrigação e como deleite que uma criança merece. Se pudéssemos incentivar a leitura com textos leves, gibis, crônicas, contos, em vez dos clássicos, daríamos de fato a oportunidade de o brasileiro dizer se gosta ou não de ler. Temos ainda um agravante. A língua portuguesa, ensinada e aprendida de modo arrastado por muitos, é impiedosamente maltratada, julgada e condenada nas redes sociais. O pouco que se sabe é desconstruído por abreviaturas. Com isso, até o próprio acesso à internet fica prejudicado. Alunos que fazem pesquisa na Web frequentemente mal leem o primeiro parágrafo de um texto e já o colocam no traba-lho. O resultado é catastrófico. Talvez seja a hora de recorrermos ao simples. É preciso recorrer à Mônica e sua turminha, ou às aventuras do caçador Pedrinho, e promover profunda reforma nas bases da educação infantil brasileira, para que, no futuro, já adultas, nossas crianças possam, com tranquilidade e preparo, lidar com os grandes problemas da humanidade. Enquanto esse tempo não chega, o bom mesmo é ficar sentado, calado, com os olhos atentos, ouvindo as histórias de Dona Benta.

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação. 

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