terça-feira, 27 de agosto de 2013

Medicina não é mercadoria de troca

Medicina é algo suprapartidário, não se pode fazer dela emblema de interesses políticos.


Arquivo (Foto: )
Por Carlos Eduardo Leão*

Tenho recebido alguns telefonemas, um número significativo de emails, muitos recados, todos me cobrando um texto sobre o assunto da hora: médicos cubanos. Por um lado, fico muito honrado com essa demonstração que prova a existência de fiéis abnegados que realmente me lêem. E entendo que, por outro lado, a minha condição de médico, aliada à de cronista, há de despertar uma certa curiosidade no público que me prestigia.

Então, vamos lá. O cronista vive do "insight" ou da inspiração que o momento lhe traz. E a crônica, por sua vez, é um texto opinativo que busca sempre uma ressonância entre o escritor e seus leitores. Confesso que o tema nunca me atraiu pois penso a Medicina como algo inatacável, uma ciência acima das outras, muito pela nobreza de suas ações expressadas na luta incessante pela preservação do bem maior do ser humano - a saúde. 

Que fique bem claro aos que me lêem nesse momento que não são os médicos brasileiros que não querem trabalhar nos cantões. Eles querem estar em qualquer lugar desde que tenham condições mínimas de trabalho e a certeza de que serão remunerados ao final de cada mês para que possam no mínimo comer, pagar suas contas de luz, água e aluguel. Vocês concebem cozinhar sem panela ou sem fogo? É a mesma coisa de se examinar um paciente sem maca, sem estetoscópio, sem aparelho de pressão. Nem ouso falar de Ultrasom, raio X ou laboratório, que transformariam os paupérrimos postos de saúde, Brasil afora, numa espécie de Sírio Libanês dos sertões.

Não se brinca com Medicina. Não se pode fazer dela mercadoria de troca, muito menos usá-lá como emblema para interesses políticos. Saúde é algo suprapartidário, portanto não pode entrar em discussões mundanas de políticas torpes. Saúde está acima de qualquer interesse de siglas e deve estar sempre em primeiro plano nos desígnios governamentais ao lado e de mãos dadas com a Educação.

Nunca antes na história desse país uma classe de trabalhadores foi tão aviltada em sua dignidade. Porém, vou me abster de comentar este que foi um dos maiores atentados contra a Medicina brasileira, tão bem escrita por homens como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Zerbini, Hilton Rocha, Jatene, Pitanguy e tantos outros de mesma estirpe.

Prefiro pensar em idéias que, à primeira vista, parecem simples desde que haja vontade política para a sua realização. Um bem elaborado plano de carreira para médicos, aos moldes do judiciário no tocante a juízes e promotores, seria uma saída definitiva e solucionaria grande parte da carência existente nos mais longínquos logradouros brasileiros, desde que as condições para o exercício digno de nossa ciência fossem também contemplados. Mesmo porque temos, para tal, 1 bilhão e meio de reais que poderiam ser revertidos para nós mesmos e não para os interesses daquela ilha alienada.

Os programas de algumas poucas Universidades brasileiras como o vitorioso "Internato Rural" das mais tradicionais escolas de medicina de Minas, poderiam ser obrigatórios em todas elas e seriam de grande valia. Os sextanistas divididos em turmas, a cada três meses e sempre acompanhados por um preceptor médico, de repente até remunerado com os 10 mil por mês de Fidel, cumpririam estágios curriculares nas mais remotas localidades de seus Estados.

Outras idéias a serem pensadas e trabalhadas referem-se às residências médicas em especialidades básicas patrocinadas pelo MEC. Estas poderiam redimensionar seus currículos instituindo a obrigatoriedade de estágios de, por exemplo, três meses, nesse cantões, sempre e igualmente preceptorados por médicos incluídos no programa de ensino, sem a necessidade de extensão de carga horária ou imposição de trabalho como aquele existente no Brasil antes do 13 de maio de 1888. Até mesmo mais um ano de residência médica opcional poderia ser criado para aqueles com interesse nessa verdadeira medicina de exceção. 

Outra possibilidade: os brasileiros que se obrigam ao Serviço Militar e, ao mesmo tempo, optam pela Medicina, caso não consigam a dispensa definitiva sendo apenas adiada a sua incorporação, poderiam ser incluídos em programas de atendimento médico a brasileiros de diferente sorte em diferentes localidades. Contribuiriam socialmente e, ao mesmo tempo, quitariam seu compromisso cívico com as Forças Armadas.

São idéias. E dinheiro para isso existe. São 40 milhões de reais por mês que não precisariam ser evadidos  para fomentar a tirania, o retrocesso e o atraso.
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista.

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