terça-feira, 24 de setembro de 2013

Escritores, esses pobres coitados!

Escritores são apenas rascunhos. A maioria deles é esquiva, hipócrita, invejosa.


Se todas as bibliotecas incendiassem, o mundo seria exatamente o mesmo
Por Ricardo Soares*
Eu vendo papéis para os escritores. Papéis sim. De boníssima qualidade. Muitos famosos escritores são meus fregueses. Porque apesar da informática e dos computadores, apesar dos programas de textos e dos dicionários virtuais,apesar da ausência das máquinas de escrever, os escritores continuam escrevendo e - ora a vaidade ! - adoram ver seus textos impressos em papéis de fina qualidade. Mesmo que façam má literatura. É aí que eu entro.

E por vender papéis de finas texturas, delicadas espessuras e luxuosas cores pastéis eu conheço escritórios, ateliês, salas e muquifos de muitos escritores. Ao longo dos anos fui privando de suas intimidades, conhecendo seus modos e manias, sacando como e porque escrevem do jeito que agem ou agem do jeito  que pensam ou pensam que agem conforme seus personagens.

Ainda não sei se conhecer bem os escritores é uma sorte ou vantagem. Não posso generalizar mas devo dizer que a maioria deles é esquiva, hipócrita, invejosa. São calorosos quando você demonstra algum interesse pela obra deles. E isso sei fazer bem. Confesso que por puro interesse porque afinal quero vender bem e caro a mercadoria que ofereço. Por isso, hipócrita como muitos deles,eu finjo ter um interesse literário que na verdade nunca tive. Na verdade diria até que nem gosto de ler. Sempre fui mais pela seara dos policiais. De preferência aqueles bem antigos e manjados tipo " O Caso dos Dez Negrinhos" da Agatha Cristie ou  " O Cão dos Baskerville" do Conan Doyle. Não sou muito de ficar me babando por essas modernidades tipo Dennis Lehane ou James Elroy 

Quando muito concedo algum espaço a algumas daquelas chamadas "damas do crime" como Ruth Rendell e P.D.James que eu acho o máximo não por ser uma escritora e sim por ser uma ex-enfermeira e dona de casa com cara de comedora de batatas sauté . Na verdade, verdade mesmo nem gosto mesmo de escritores. São uma raça esquisita, metida a artista mas cheia de manias e rancores.Alguns tem olhos espremidos,acuados, como se alguém os perseguisse  o tempo todo. Outros tem tiques nervosos esquisitos e olham sobre os próprios ombros como se o tempo todo respingasse cocô de pomba sobre eles ou se membranas esquisitas ou escamas fossem nascer no alto dos braços .

Nunca quis ser escritor e acho até que os desprezo.Estou satisfeito em ser vendedor e um vendedor que engana escritores pois os faço crer que ao comprar o meu produto os escritos adquiram  automaticamente a mesma qualidade do papel. Sou tão bom de lábia que chego a vender por preço extorsivo um papel reciclado e barato. Convenço-os de que é um papel muito chique e raro e que é corretíssimo utilizá-lo por ser biodegradável e preservar o meio-ambiente. Ainda acrescento o detalhe sórdido: de que a matéria prima nele utilizada é toda manipulada por jovens orfãos das palafitas de Manaus recebendo acabamento de doentes mentais de uma colônia penal na ilha de Marajó. Eles não resistem e acreditam que com isso fazem uma boa ação e são úteis ao mundo sobre o qual escrevem.

Aliás isso é o que mais me incomoda nos escritores. Acham que são vitais ao mundo. Insubstituíveis e só eles mesmo capazes de retratar as agruras e impressões de uma época, uma geração, todo um tempo histórico e datado.Qual nada... já teria por exemplo o Sr. Saramago pensado que se  todas as bibliotecas do mundo se incendiassem e todos os computadores tivessem as memórias deletadas e todos os seus filmes sumissem o mundo seria exatamente o mesmo ? nem pior, nem melhor ? Ou seja, os seus livros, como os de Cervantes, Camões ou Garcia Marquez não alterariam a roda da história, nem o rumo dos acontecimentos.Mas os escritores,desde sempre, se acham vitais e indispensáveis e é isso que me irrita neles.Isso os iguala aos políticos que se consideram a chave da história , o dínamo das mudanças, os arautos das transformações sociais. Pobres e mortais coitados.Muitas vezes são apenas rascunhos.Garganteiros ligeiros.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) . Escreve todos os dias também o Diario do Anonimato do Mundo em www.revistapessoa.com

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