Não há culpa, menos ainda responsabilidade. Tudo é regido pela lei da oferta e da procura.
Surgiu o sexo virtual, às vezes remunerado via cartão de crédito
Por Reinaldo Lobo*
A profissão mais antiga do mundo modernizou-se. Está na internet, no facebook, nas séries de TV, no celular, no cinema. Já não está mais localizada apenas em bordéis, mas espalhou-se pelas grandes e pequenas cidades. Tem os seus sites de venda e locais de uso como motéis, flats anônimos e as próprias ruas. Surgiu o sexo virtual, às vezes remunerado via cartão de crédito. Sexo masturbatório de um novo tipo, prêt-à-porter. Os que imaginavam que a prostituição diminuiria ou desapareceria com os novos costumes, enganaram-se. Ao contrário, tem sido até levemente glorificada nos meios de comunicação.
Desde os anos 60, as moças e rapazes “normais” fazem sexo pré-conjugal e “ficam” com tal frequência e facilidade que muitos acreditaram que a prostituição se tornaria “desnecessária”. Não é bem assim. O fim do moralismo anterior à Primeira e a Segunda Guerra Mundiais facilitou, aliviou e, ao mesmo tempo, complicou a vida das pessoas. A velocidade das mudanças também.
O desejo e a sexualidade estão sujeitos às mesmas regras da sociedade de consumo que afetam todas as áreas da vida. Com a chegada da assim chamada “pós-modernidade” (Jean François Lyotard) ou “modernização líquida” (Zygmunt Bauman) ocorreram mudanças de natureza moral, tecnológica,psíquica e social. Houve uma banalização do sexo, que entrou para o rol de qualquer objeto de consumo.
Além disso, a difusão das identidades, dos valores e a formação de novos preconceitos tornaram a ética bastante relativizada. Cabem todas as práticas na prateleira contemporânea. Charles Melman, o psicanalista francês autor de “O Homem sem Gravidade”, sugere que houve uma generalização da perversão. Tudo é possível, do sadomasoquismo à troca de casais e orgias. Teria havido uma normalização do que parecia exceção. As únicas exceções restantes -- segundo o modelo psiquiátrico e jurídico norte-americano-- são a pedofilia e a violência assassina ou estupradora, por não serem consensuais.
As prostitutas não perderam sua função, ao contrário. Apenas a assumiram com mais facilidade e liberdade de ação, pois se confundem com qualquer pessoa na sociedade da insignificância massificada. Sua função é maximizar e dar variedade ao desejo sexual
Ainda se criminalizam algumas formas de exploração da prostituição em vários países, mas a tendência é rotinizar e reduplicar esse trabalho. O problema não é o trabalho das mulheres e também de muitos homens que se dedicam a vender sexo e a atender a uma demanda generalizada de gozo. O problema é que o sexo está sujeito à pressão para o consumo infinito na “sociedade do espetáculo” (Guy Debord), onde o espetáculo é o desfile da alienação.
Em algumas sociedades antigas, as prostitutas eram sagradas. Tinham um papel iniciático e eram veneradas. Em sociedades como a indiana, eram portadoras de um saber e de uma arte erótica. Hoje, estão integradas ao movimento do capital.
Há uma série em cartaz nos canais HBO, intitulada “O Negócio”, que ilustra bem essa integração. As heroínas são três garotas de programa que levam progressivamente a sério o seu papel no empreendimento do desejo.
Uma delas, Joana ou “Karin” (este, nome de guerra), é a mais articulada e manipuladora. Para fugir da submissão a um cafetão, ela resolve tornar seu “métier” uma empresa própria como qualquer outra da grande São Paulo. Sua máxima: “A profissão mais antiga do mundo não precisa ser a mais atrasada”. Estudante de administração, começa a aplicar os truques do marketing ao seu negócio, com muito êxito.
Sua meta é a modernização da profissão. Ela e as colegas começam a se adornar com todos os signos do empreendedorismo e do capitalismo, sejam os objetos de consumo, como carrões e roupas ”de grife”, sejam os sinais exteriores do sucesso empresarial, como instalar-se num escritório de luxo de um prédio do centro empresarial paulista.
Um ponto alto da série ocorre quando “Karin” decide recorrer a uma pesquisa de mercado para localizar os nichos favoráveis da libido masculina. Após vencer o preconceito de uma agência, contrata um “focus group”. Ela quer saber por que os homens atuais, sobretudo os casados, procuram a prostituição e quais suas fantasias prediletas.
Descobrimos todos algo interessante: após alguma relutância, os homens vão-se revelando usuários contumazes em relação ao sexo dito clandestino. Mais do que isso, os motivos revelados de facilidade, presteza, atendimento, descompromisso, sigilo e prazer são muito semelhantes aos de qualquer compra, como a de um carro ou outro objeto. Alguns são mais motivados do que outros e cada modalidade de consumidor corresponde a um nicho de mercado e a uma estratégia de sedução diferente. Não há culpa, menos ainda responsabilidade. Tudo é estratégia regida pela lei da oferta e da procura.
A série destila uma ironia fina sobre o mundo do capitalismo paulista. A prostituição é retirada da esfera da psicopatia e do universo da perversão e passa a fazer parte integrante da família. As garotas de programa têm pais e até relacionamentos amorosos. Há uma vida paralela de classe média, que se entrecruza, às vezes, com o negócio.“Karin” faz questão de dizer que é “puta, mas não filha da puta”. É “séria” na vida pessoal como na ética dos negócios.
As prostitutas estão virando hoje as especialistas na administração das “perversões normatizadas”. Muitas dão aulas na TV para mulheres em geral. Soube do caso de uma ex-prostituta que dá palestras a empresários em workshops muito frequentados. Fala de sexo como um negócio bem sucedido que poderia servir de modelo de gestão para muitas empresas. A mercadoria em questão facilita a sedução.
Há aparentemente uma democratização do prazer que o sexo oferece. Estaria “ao alcance de todos”. Mas, na verdade, o sexo se torna, via banalização, como tudo na sociedade de consumo: quem tem mais dinheiro tem o melhor produto.
*Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP, jornalista. Tem um blog: www.imaginarioradical.blogspot.com.
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