quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Capitalismo para pobres

A saga de D. Maria, uma brasileira lascada da qual você, leitor, pode estar muito mais perto do que pensa.


D. Maria: dinheiro emprestado para montar um modesto negócio de bolo de aipim.
Por Alexandre Kawakami*

Dona Maria tinha um problema. Sua filha havia engravidado e perdido o emprego de doméstica na casa do funcionário de mineradora onde trabalhava, o qual não era mais capaz de pagar seu salário em regime de CLT. Acometida de dor nas juntas, não podia mais andar grandes distâncias e estava presa a qualquer serviço que lhe dessem em casa. Costurava e passava para engordar o orçamento, mas com o novo bebê, o tal orçamento já entrava em greve de fome. O Bolsa-Família ajudava, mas Dona Maria queria que o menino estudasse, saísse daquela vida, fosse ser médico ou engenheiro.

Cansada de esperar milagre, Dona Maria resolveu pedir dinheiro emprestado a um parente na capital para investir em uma produção modesta de bolo de aipim com linhaça, que era famoso no bairro onde morava e tinha freguesia cativa. Começou a fazer seus bolos em casa, botou a filha para vender de porta em porta. Descobriram, vendo o programa matinal de curiosidades, que o aipim era fibroso, pouco calórico e que a linhaça era boa para a pressão. 

Dona Maria trocou o açúcar pelo adoçante na receita e, com alguns ajustes, o bolo ficou ainda melhor. Mãe e filha foram vender seus quitutes em academias de pilates, para as dondocas eternamente em dieta. A filha de Dona Maria, para surpresa e orgulho de todos, era brilhante em negociar o preço da farinha e do adoçante. O aipim brotava como praga no quintal da casa. Em um ano, pagaram o parente. No segundo, já não conseguiam atender à sua demanda e passaram a contratar os vizinhos, sempre nas melhores condições: afinal, foram eles que as ajudaram nos piores momentos da miséria. Em três anos, tinham uma loja no centro da cidade e empregavam todo o bairro.

Esta coluna vai tratar do poder do comércio de enriquecer pessoas e satisfazer necessidades. Nasceu da surpresa de ver um músico fashion e engajado confessando em evento público que o comércio fez mais pela África do que todas as iniciativas de ajuda econômica juntas. Mas vai abordar mais coisas também. Vai falar de como as relações entre pessoas que se financiam, que trabalham juntas, que pensam juntas e que compram umas das outras permitem que as riquezas criadas se multipliquem e se espalhem, assim como no caso de Dona Maria, sua filha, seu parente e seus vizinhos. 

Vai mostrar como estas relações precisam ser construtivas e colaborativas para que surtam seus efeitos mais benéficos, como um mercado de virtudes. Mas vai também descrever como estes esforços se frustram, desde os casos pequenos até os casos maiores, quando estas relações se definham na amargura e na inveja, ou quando brutos e espertalhões resolvem tirar proveito de seus resultados.

Como é o caso de Dona Maria. No quarto ano, um fiscal da prefeitura, por instrução do prefeito - dono da maior empresa de pães da cidade - revogou o alvará de funcionamento de Dona Maria por infração que existia em qualquer loja do país. No mesmo ano, um dos funcionários de Dona Maria, incitado por sobrinho que cursava o curso de Direito e de olho em uma moto nova, resolveu iniciar contra Dona Maria ação trabalhista, a qual Dona Maria invariavelmente perdeu, ainda que com razão.  E então veio o Fisco, que tirou de Dona Maria o resto dos fundos que tinha conseguido guardar mas que não tinha declarado por ignorância e ingenuidade. Hoje, Dona Maria vive do Bolsa-Família. Sente falta de quando sonhou mudar de roupa, de casa, de vida. Mas sente falta mesmo é de sua filha, que foi para a capital arrumar sustento para o filho, sabe-se lá como.

As premissas desta coluna são simplórias, pequenas, ingênuas? Talvez sejam. Mas se você passar algum tempo comigo, verá que estas premissas têm reflexo claro na vida real de todos nós, brasileiros. E que você talvez esteja mais perto de Dona Maria do que pensa.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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