quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Isso é um assalto!

Ser paranóico no Brasil é prudência. E na paranóia todos os custos de operação são altíssimos.

Atender telefonema a cobrar sem desconfiança pode ser crucial.
Por Alexandre Kawakami*

Uma vez, a filha de Dona Maria passou um grande aperto. Andava na moto de seu namorado por rua remota e abandonada quando o motor falhou. O celular, sem bateria. Ao longe, avistou um orelhão e correu para ligar para a mãe. Sem dinheiro, ligou a cobrar. A mãe ouviu mas não atendeu: telefonema a cobrar nos dias de hoje, só pode ser golpe ou trote...

Quando se fala de capitalismo para os pobres, a tendência é achar que está se falando apenas da autonomia do indivíduo. Mas existe uma série de outras pré-condições para que as relações entre pessoas em livre comércio gerem riquezas e valores em seu maior potencial. Uma delas é a existência de uma premissa de estabilidade entre as pessoas que permita a elas realizarem trocas umas com as outras. A pré-determinação para fazer promessas e cumpri-las perante aos membros de uma comunidade é, de forma simplificada, o que Alain Peyrefitte chamou de Sociedade de Confiança.

Em Economia, a grande medida do desenvolvimento de uma unidade econômica se expressa em ganhos de produtividade. Uma sociedade é mais eficiente na proporção em que as trocas que ocorrem dentro dela são mais numerosas e fáceis de ocorrer: isso dá maior acesso a um maior número de recursos a um maior número de pessoas, que vão usá-los para os fins mais diversos, seja para se satisfazerem, seja para gerar mais riquezas. Em termos econômicos, os custos de operação são baixos.

O contrário ocorre quando a desconfiança entre as pessoas é tão grande que elas passam mais tempo discutindo e brigando sobre suas trocas do que as promovendo. Nestas sociedades, os custos de operação são altos.

No Brasil, ninguém confia em ninguém. E com razão. É um país onde se perdoa o banco perder um depósito ou sacar de sua conta indevidamente. É um país onde a operadora de telefone programa seu telefonema para cair em um minuto, forçando-o à gastar com o segundo telefonema. É um país onde se dificulta a importação de quaisquer produtos para favorecer uma “indústria nacional” hipotética. É um país onde estatais do governo cobram valores indevidos na sua conta de energia. É um país onde encarcerados conseguem simular sequestros por telefone.

Ser paranóico, no Brasil, não é doença, é prudência. E na paranoia, todos os custos de operação são altíssimos.

Riqueza e valor têm os mais variados significados. Podem apontar a algo supérfluo, como uma roupa desnecessária ou um artigo de luxo sem função. Mas podem ter significados mais nobres e relevantes também. Podem se consubstanciar na possibilidade de se ter melhor qualidade de vida, de se defender e de se proteger, ou até mesmo de se sobreviver. Um equipamento médico mais moderno pode estender a vida. Um medicamento corretamente produzido e eficaz atenua a dor. Até mesmo detalhes menores como a possibilidade de se atender um telefonema a cobrar sem desconfiança podem ser cruciais.

Como foi quando a filha de Dona Maria tentou lhe ligar dizendo que estava em bairro perigoso, minutos antes de ser estuprada.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário