sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Uma pizza grande e dois chopps

É o preço que pagamos por certas insanidades que cometemos.


(Foto: Ilustração Max Velati)
Por Max Velati*

Sinceramente? Eu só quero entender.

Penso que deve haver algum propósito oculto, possivelmente sensato ou talvez alguma ordem superior que ao final vai dar um sentido positivo a todos os fatos que hoje me parecem tão absurdos.

Começo pela plataforma que estou usando: a Internet.

Na década de 90, eu trabalhava para um jornal e publicava aos domingos uma página sobre tecnologia e novas mídias. Estava muito empolgado com a expansão da Internet, que nesta época estava deixando de ser uma ferramenta de uso exclusivo de militares e acadêmicos para se tornar uma conquista importante para o cidadão "comum". A promessa de que teríamos ao alcance das mãos um modo revolucionário de adquirir conhecimento, procurar respostas, aumentar o entendimento, absorver fatos e imagens de culturas distantes me deixou sem sono por semanas, confesso.

A Internet cresceu e no final da década de 90 já estava bem estabelecida quando tive que preparar dados para uma palestra. Para escrever o meu discurso, pesquisei os termos mais comuns, a combinação de palavras mais frequente nos sistemas de busca. A resposta foi clara e absolutamente chocante. No mundo inteiro, as duas palavras mais digitadas eram: Britney Spears. Já tínhamos ao alcance da mão um modo revolucionário de adquirir conhecimento, procurar respostas, aumentar o entendimento, absorver fatos e imagens de culturas distantes, mas tudo isso revelou-se muito menos importante do que saber qualquer fofoca sobre uma cantora pop adolescente. Uma Biblioteca de Alexandria havia sido contruída, mas seus frequentadores só estavam interessados nos rebolados de uma menina falsamente inocente e nos três acordes de "Baby, one more time".

Hoje, mais de uma década depois, eu poderia estar novamente empolgado com as possibilidades da Internet e é óbvio que fizemos bom uso desta conquista em alguma escala, mas os fatos ainda chocam. Em agosto de 2010 uma empresa americana realizou uma pesquisa e descobriu que passamos a maior parte do tempo de navegação no Facebook. Mesmo o Google somado a outros serviços (YouTube e Gmail) perde para o "Face", como todo mundo carinhosamente agora chama o portal. O sintoma mais claro de que o "Face" é a "Face" do nosso tempo é que estamos nos educando a pensar que uma coisa só acontece - ou alguém só existe - se estiver registrado no "Face". Para não haver dúvidas de que a nossa percepção ainda está doente, em 2012 o tópico mais pesquisado no Brasil foi "Eleições" e isso pareceria promissor se o tema não estivesse vencendo por pouco "Carnaval", "Olimpíada" e "Lollapalloza", os quatro maiores da lista. Para confirmar as minhas piores suspeitas, no ranking mundial a nossa curiosidade se concentrou no mais importante e essencial para a vida: Whitney Houston e Gangnam Style.

Mas você não precisa concordar comigo sobre Internet. Tenho outro argumento e esse me parece demolidor: o celular.

Eu poderia escrever laudas e laudas sobre os absurdos provocados pela invenção da telefonia móvel. Desnecessário mencionar a inconveniência, o mau uso nos espaços públicos, o esgarçamento das relações pessoais, o enfraquecimento de nossas habilidades de comunicação...tudo isso é mais do que sabido e não preciso tomar o seu tempo com argumentos tão conhecidos. Vou então me concentrar em outro tipo de distorção, outra loucura presente na vida moderna e encarada como um hábito natural, um gesto aparentemente necessário para a boa vontade e entendimento entre os povos. Para tornar o meu ponto de vista mais claro não ofereço a minha opinião, mas números inquestionáveis.

O nosso trânsito urbano é caótico e as estradas são péssimas; quilômetros e quilômetros cortando a terra de ninguém, joguete entre governos estadual e federal, craques do jogo de empura-empurra, especialistas em esquivar do tema gestão após gestão. Não é surpresa, portanto, descobrir que no Brasil morrem no trânsito 43 mil pessoas por ano. Até aí temos uma relação entre causa e efeito que é trágica, triste, mas lógica: o caos urbano e as estradas são áreas muito, muito perigosas e por isso matam 43 mil indivíduos a cada 365 dias. As causas são conhecidas e os efeitos são previsíveis.

Trágico, triste, mas lógico. 

O absurdo vem agora.

Considerando estes fatores deveríamos ter mais cuidado e dirigir mais atentamente. Seria sensato fazer a nossa parte para compensar aquilo que não é feito pelas autoridades e exercer a nossa prudência como única proteção de fato ao nosso alcance. Isso seria o sensato, mas em lugar disso tornamos tudo ainda mais perigoso porque decidimos dirigir enquanto falamos ao celular. Esta provado que essa insensatez aumenta em 400% o risco de acidentes. Vou repetir: 400%. É inacreditável, mas o que já era terrivelmente trágico, perigoso e mortal não nos pareceu trágico, perigoso e mortal o suficiente e decidimos então somar outra variável muito mais excitante. Que graça tem a roleta russa com uma só bala? Muito melhor jogar com duas, quem sabe três? 

Acrescentando absurdo sobre absurdo é estarrecedor perceber o que fizeram as autoridades competentes quando acordaram para o problema. Depois de muitas reuniões decidiram multar essa insanidade com o valor equivalente a uma pizza grande e dois chopps.

Sinceramente? Eu só quero entender.

PS: Ainda tenho esperanças. Uma placa em um bar anuncia: "Aqui não temos Wi Fi. A conversa é por conta de vocês."
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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