quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Educação com humanismo - Johan Konings



A preocupação com a escola e educação, no Brasil, hoje, parece-me surgir de duas vertentes principais: o projeto socialista e a economia do mercado (Foto: Divulgação)

O ‘Estado de São Paulo’ de 21.10 dedicou um caderno inteiro à educação. O caderno é, significativamente, um anexo da seção ‘Economia e Negócio’ (p. H1-H8). Acentua, com toda a razão, a importância do Ensino Técnico. Traz elementos interessantes, como a declaração de Rafael Lucchesi, diretor-geral do SENAI, ressaltando que “no Brasil, aproximadamente, 90% dos jovens que terminaram o terceiro ano não aprenderam o conteúdo adequado de matemática, e 70% não sabem o conteúdo adequado de português” (p. H4). E conclui: “Tudo isso vai acabar implicando em ineficiência e baixa produtividade na economia”. Esta última frase suscita reflexões. Estou plenamente de acordo com aquilo que Lucchesi quer dizer, mas há algo a mais, e isso vale para grande parte daqueles que mostram atenção ao ensino no Brasil: o grande dano da educação insuficiente não atinge apenas a economia, mas, sobretudo, as pessoas... 

As considerações socioeconômicas sobre ensino e educação, que são válidas, necessitam ser completadas por outro elemento, que deve ser a base de tudo: a dimensão humanista. O objetivo final daquilo que Lucchesi chama “repensar a escola brasileira” deve ser a pessoa, cada um e todos. Aliás, esse deve ser também o objetivo final da economia... (E mesmo da “economia da salvação”, conforme santo Ireneu: “A glória de Deus é a vida do ser humano...”.)

A preocupação com a escola e educação, no Brasil, hoje, parece-me surgir de duas vertentes principais: o projeto socialista e a economia do mercado. O projeto socialista tem interesse no cidadão bem capacitado para colaborar na economia comum, e os ideólogos do mercado acentuam que não se consegue realizar o projeto pessoal de ascensão e de usufruto sem boa qualificação profissional. O denominador comum de ambas as abordagens é a “qualificação”, quer para a economia do mercado na visão liberal, quer para o projeto socialista, o qual também não fica longe do mercado.

Esse interesse é bom, mas muito imediato. O fim do mercado não é o mercado, mas a pessoa; e o fim do socialismo não é a estrutura socialista, mas a pessoa. A educação e o ensino não servem, em última instância, para produzir agentes qualificados para a economia nacional ou para o mercado, mas para formar pessoas livres, autônomas (no sentido do pensamento moderno de Kant) e conscientes de sua solidariedade humana. Isso, no nível do humanismo. (Para quem crê em Deus, esse nível, sem perder nada de sua validade, é assumido na perspectiva da transcendência.)

Em vista disso, eu gosto de distinguir entre “qualificação” (para a vida profissional, para o mercado, para as funções na sociedade) e “aquilatamento”, enriquecimento do teor da pessoa, enobrecimento. Não se trata apenas de formar os jovens para que sejam “aproveitáveis” na estrutura econômica ou social; trata-se de formá-los para que atinjam sua vocação de pessoa. E isso vale tanto para os que têm muitas “capacidades” socialmente apreciadas quanto para os que têm outras capacidades, menos valorizadas. E precisamente estes últimos devem ser atendidos em primeiro lugar, para que não fiquem excluídos pelo pensamento utilitarista. 

Portanto, o “humanismo” em que eu penso não é o humanismo dos que podem estudar em algum refinado colégio de religiosos ou em alguma escola pública que, por milagre, escapou da degradação generalizada, mas o humanismo realista, atento à convivência humana nas coisas simples e cotidianas, o humanismo pé no chão, semelhante ao que o filósofo Emanuel Levinas chama de “humanismo do outro homem”, o humanismo da diferença e da alteridade. E do samaritano.

E ainda isto: o próprio “meio” (a finalidade intermediara que é a qualificação) é influenciado pelo fim “final” que se propõe, o aquilatamento da pessoa. Estruturas boas se fazem com pessoas boas. Se nosso ensino continuar dominado pelo pensamento da utilidade, vai continuar produzindo pessoas-máquinas, que não pensam nem sentem. Só se o ensino se empenhar em produzir personalidades bem informadas, conscientes, livres e solidárias, elevará realmente a qualidade da sociedade e da humanidade.

Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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