Brígida Rodrigues Coelho*
O menino descolado e viajado da última fileira da sala. O professor importante e imponente que ministra suas aulas com a desenvoltura mais sublime. O rapaz simpático por trás do balcão, esbanjando simpatia. A atitude da jovem que insiste em manter sua postura distante. O engravatado das escadas que reflete uma personalidade brava, fechada. A menina das covinhas. O estudante do canto da biblioteca. O homem que se encolhe nas ruas. O menino de atitude num palco, com a sua guitarra. A mãe que nunca deixa de sorrir.
Todos os ‘personagens’ citados acima não são exatamente personagens, e muito menos estão distantes de nós. São pessoas que assumem suas máscaras diárias para lidar com o dia-a-dia. São pessoas que possuem inúmeras camadas, inúmeros mistérios, inúmeras surpresas. Somos nós. Seres humanos, com nossos lados A, B e C. Todos nós lidamos com inúmeras possibilidades de ser.
É difícil definir um conceito para ‘superficialidade humana’, pois até aqueles que dizemos ser de ‘fácil entendimento’ têm as suas facetas. As pessoas são, de fato, misteriosas. Sempre podemos esperar mais do que elas mostram, seja para o lado positivo ou negativo. O senhor que está sentado no banco da praça nunca será só isso. Ele é uma infinidade de personalidades, ele é um passado e ao mesmo tempo tudo aquilo que ainda pode ser. Bobos são aqueles que pensam conhecer o outro.
Os olhos passam rápidos em meio ao fluxo intenso de pessoas. E você não conhece o outro. Os olhos se entreolham poucas vezes ao dia com a pessoa que se convive diariamente. E você não também não a conhece. Olhamos pouco nos olhos. Talvez esteja aí o motivo de nos desconhecermos tanto.
Quantas vezes, no dia de hoje, você trocou olhares com a pessoa que ama? Seja sua mãe, irmão, namorado, marido, esposa, amigos, filhos? Quantas vezes, no dia de hoje, você tentou descobrir as inúmeras possibilidades da pessoa que está com você? Quantas vezes, no dia de hoje, você possibilitou que os outros vissem os seus inúmeros eu’s? Provavelmente nenhuma. Porque temos medo de confiar. Justamente porque o outro pode te surpreender de diversas maneiras. Justamente porque o outro pode assumir formas e vozes e atitudes e palavras que nunca imaginaríamos ver/ouvir/presenciar/engolir. Tem tanta bagagem por trás de um único ‘bom dia’. Passamos pelas pessoas e nem sabemos o que elas passam. E nem elas sabem o que passamos. Há tanta intensidade por trás da superficialidade de cada um... Difícil é saber enxergá-la.
Quando temos paciência para ver o outro, tudo começa a ficar mais fácil. Quando temos coragem para assumir os inúmeros eu’s daqueles que estão conosco, amamos de verdade. Quando sabemos como olhar para o outro, vemos tudo o que ele é ou pode ser. Somos bobos dizendo que conhecemos porque não sabemos olhar. Olhar é muito mais que simplesmente ver e associar a imagem. É detectar, é entender, é compreender, é adentrar. E talvez esteja aí outro problema. Não queremos. É tão mais fácil viver a impessoalidade dos ‘bom dia’ vazios, dos beijos estritamente carnais, dos abraços desconectados, da conversa simples, do olhar desviado. A desculpa da vez é ‘não é nada pessoal’. E qual o problema de ser? Qual o problema de olhar nos olhos e dizer: “Não gosto de tal coisa e acho que poderia agir diferente.”?! Insistimos cada vez mais em ignorar o lado difícil do outro em prol de uma convivência mais cômoda. Comodidade esta que acabou desencadeando indiferença e falsidade, frutos de um medo arrebatador que possuímos de simplesmente chegar para o outro e tentar entender. Ou estamos sempre com ‘pedras nas mãos’ ou deixamos para lá. E nisso de deixar sempre para lá ou de gritar com aquele que deveríamos nos esforçar para manter perto, continuamos a viver algo que ilustra, de fato, uma superficialidade extrema, quando na verdade é um aglomerado de inúmeros segredos que só alimentam uma relação fraca, que poderia ser muito especial.
O menino poético e sensível da última fileira. O professor humano e romântico que escreve textos profundos. O rapaz sofrido por trás do balcão, que esconde grandes perdas. A jovem que chora nos comerciais melosos e esconde as lágrimas. O menino que gosta de esportes por trás do terno e gravata. A menina ousada. O estudante que deseja presentear a mãe um dia. O homem que um dia enfrentou muitos medos. O menino que esconde uma extrema carência. A mãe que sente falta de alguém para ajudá-la.
E vamos nos fechando nas nossas bestialidades e medos. E vamos afastando os outros de nós, pois eles também possuem bestialidades e medos. E vivemos relações superficiais que escondem a nós próprios. Porque ser o que somos custa caro, e nem todos estão dispostos a aturar? pagar? aceitar? o preço proposto. E quem vai, afinal de contas, correr o risco?
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