Padre Geovane Saraiva*
O Papa Francisco, na sua sensibilidade e no seu não indiferentismo,
disse com todas as letras: "Não é possível que um idoso que morre de frio
em situação de rua não seja notícia, enquanto o é a queda de dois pontos na
Bolsa". (Evangelii Gaudium). Daí a Rerum Novarum de Leão XIII deixar
claro: “Contra todo tipo de mal que ameaça a criatura humana, devemos lutar”. O
trabalho é a atividade normal do homem e da mulher neste mundo no qual estamos
inseridos, com o desejo de alcançar determinado fim. Realizada dentro do
espírito do Evangelho, cabe ao cristão transformar o mundo e sua realidade,
eliminando as contradições e injustiças através do trabalho, com a certeza de
que sempre será recompensada por Deus.

O Papa Leão XIII desejou ardentemente uma mudança nos costumes e na
mentalidade, sobre as condições de vida vividas pelos operários no final do
século XIX. Preparou à altura das exigências do seu tempo um documento, que de
fato pudesse dar uma resposta ao clamor de um mundo industrializado, tão
marcado pelo sofrimento e pela escravidão. É o movimento social que se iniciou
na Igreja de uma forma mais consistente e organizada a partir de Leão XIII, com
a Encíclica Rerum Novarum, de 1891.

Podemos afirmar que foi uma verdadeira luz a iluminar as trevas, a
escuridão do mundo operário, indo contra o maior mal que ameaçava a criatura
humana naquela época. Com tão bem diz o Profeta Isaías: “Para o povo que vivia
nas trevas uma luz brilhou” (Is 9,1). Foi uma posição firme e segura da Igreja,
num momento difícil e crítico, orientando gerações e gerações. O Papa disse,
através da Encíclica Rerum Novarum, que os homens de todas as classes são
iguais, porque são filhos do mesmo Deus e Pai.
Dirigiu-se aos afortunados e aos patrões, no sentido de não tratarem
os operários como escravos, ao contrário, respeitá-los e valorizá-los, vendo
neles a dignidade de filhos de Deus. Nasceu deste modo, uma nova mentalidade,
uma nova compreensão do mundo, a partir da obra de Leão XIII, colocando a
pessoa humana no seu devido lugar, no centro da história, ao dizer logo no
início: “Por toda parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade
expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses
estão em jogo”.
O Papa propõe uma nova ordem econômica, com o devido respeito para
quem trabalha. “Não pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem
capital”. Os pobres são convidados a se
levantarem e a saírem da pobreza e da miséria em que se encontram. Eles são
chamados a sonhar com novas condições de vida e com uma nova realidade.
A Rerum Novarum foi, com certeza, um instrumento de Deus. A Igreja deu o exemplo, descendo do seu
pedestal e estando presente nas fábricas, sendo a voz dos sofredores e indefesos
trabalhadores, - eis a grande novidade! Entendeu a Igreja que era preciso fazer
alguma coisa, porque os operários estavam entregues nas mãos dos patrões
desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada.
Foi um grito bem alto, um eco que entrou bem no âmago, marcando e
impressionando profundamente o mundo cristão, incentivando o interesse dos
governantes pelas classes dos trabalhadores, dando-lhes forças e animando a
todos num só objetivo: o dos direitos individuais transformados em benefícios e
interesses coletivos.
Agradecemos ao nosso bom Deus o dom maravilhoso da vida de Leão
XIII, o Papa dos operários, que depois do seu segundo centenário de nascimento
(1810-2010), tem muito a nos ensinar: “Contra todo tipo de mal que ameaça a
criatura humana, devemos lutar”. Que o
espírito deste lúcido homem de Deus, hoje vivamente presente na Igreja, através
do profetismo do nosso querido Papa Francisco, nos tire da inércia, do
indiferentismo, diante das justas reivindicações, também no clamor por justiça
solidariedade e paz, numa palavra, na defesa da vida: o maior bem e herança que
podemos acumular.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza,
escritor, articulista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de
Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e
Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
Autor dos livros:
“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário
de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom Helder: sonhos e utopias" (o pastor dos
empobrecidos);
"25 Anos sobre Águas Sagradas (coletânea de artigos e
fotos).
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