Jung Mo Sung contextualiza a relação entre a Economia e a Teologia (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
“A economia é feita pelos homens e para os homens”.
Karol Wojtyla (João Paulo II)
Karol Wojtyla (João Paulo II)
O teólogo e professor Jung Mo Sung, em “Teologia e Economia – Repensando a Teologia da Libertação e Utopias”, (*) no prefácio à terceira edição dessa obra, pontua que: “Tudo ou quase tudo gira em torno da economia e se justifica em termos econômicos. O valor da vida de uma pessoa é medida em termos de seu sucesso econômico, assim como, em muitas igrejas, o sucesso econômico também passou a ser critério para ‘medir’ as bênçãos recebidas pelos fiéis e pela própria igreja”.
Por essa colocação, o professor Sung contextualiza, em âmbito geral, algo que, por vezes, passa despercebido por alguns teólogos e economistas sociais: a íntima relação que existe entre a Economia e a Teologia.
Tal relação ganha maior proeminência à medida que tomamos ciência que tanto a Economia quanto a Teologia nasceram (enquanto corpo de conhecimento) para compreender e encontrar alternativas para as desigualdades sociais e também espirituais existentes no mundo.
Esse sentimento, em particular, é reforçado por Gustavo Gutierrez – célebre teólogo peruano, autor do clássico “Teologia da Libertação – Perspectivas”, obra de 1971 -, quando atesta que “(…) a teologia, enquanto reflexão crítica cumpre uma função libertadora do homem”.
Eis porque é necessário promover, ainda nas palavras de Gutierrez, “(…) a libertação econômica, social e política, e a libertação que leva à criação de um homem novo numa sociedade solidária”.
Ora, tais pressupostos (libertação e criação de um homem novo, desprovido dos vícios inerentes a sistemas excludentes) embasam, ao menos, dois tipos alternativos e contemporâneos de se fazer e pensar a economia social.
Esses dois tipos são a Economia Solidária (ES) e a Economia da Comunhão (EdC) – a partir de um de seus elementares pressupostos: a cooperação-partilha. Conquanto, não é o objetivo deste artigo esboçar análise sobre esses dois tipos de economia social.
Apenas convém aqui reiterar que a partir da constatação desses tipos de economia, que envolve a prática da solidariedade, é possível encontrar resposta afirmativa à tentativa de se promover sociedades mais justas e humanas.
Para isso, é fundamental pensar e refletir numa melhor relação entre Teologia e Economia, uma vez que ambas podem (e devem, contudo) ser usadas para a promoção da igualdade social e do resgate aos mais necessitados.
A relação entre Teologia e a ação econômica somente se tornará fecunda mediante o entendimento do seguinte pressuposto: é preciso ter claro o estabelecimento, em definitivo, da necessidade dos homens se libertarem.
As amarras impostas, tanto do lado teológico, quanto e, principalmente, do lado econômico, impedem, sobremaneira, o homem de prosperar. Essas amarras significam, grosso modo, dependência e submissão. Ninguém, estando submisso e/ou sendo dependente de algo, ou de alguém e ainda de um sistema qualquer consegue evoluir, prosperar.
É por isso que a necessidade de libertação está contida, por exemplo, nos pressupostos da Teologia da Libertação, a partir da opção que essa faz preferencialmente em torno de buscar erradicar os males da pobreza.
A necessidade de buscar a promoção da libertação do homem oprimido também está presente na ação econômica quando, por meio de políticas públicas, tende a facilitar o caminho ao desenvolvimento; afinal, o desenvolvimento traz embutido consigo a promessa de libertar o homem moderno.
Não por acaso, Amartya Sen, destaca o “Desenvolvimento como Liberdade” (Development as Freedom).
No entanto, para que esse sentimento não alcance o malogro, a teoria econômica ainda deverá evoluir o bastante para ensinar os teóricos insensíveis e mecanicistas dessa ciência social a incorporar, como objetivo e fundamento principal da macroeconomia – a promoção da igualdade social.
Outro ponto não menos importante nessa necessária evolução da teoria econômica é derrubar o paradigma dominante que sugere que crescimento econômico seja visto como sinônimo de progresso.
Como, em vários casos, a estupidez anda de mãos dadas com a cegueira intelectual de alguns, ainda não há clareza suficiente para enxergar que crescimento econômico diz respeito apenas à dimensão quantitativa da produção econômica, ao passo que desenvolvimento permeia a ideia central de incorporar no mercado a massa marginalizada.
No Brasil, essa massa de excluídos conta mais de 20 milhões de pessoas buscando igualdade social e melhor participação efetiva nos meandros que orientam a economia -, buscando, igualmente, melhorar a qualidade de vida, por meio de oportunidades sociais.
Cabe à Economia, nesse pormenor, criar um novo futuro para o homem. Disso provém a necessidade de estabelecer um humanismo econômico que promova, por sua vez, a conexão entre a Teologia – que defende a libertação do homem – com um sistema econômico includente que ponha esse homem livre dentro da atividade produtiva.
O homem, sendo ele o construtor de sua história, deve saber fazer uso das ciências – principalmente as sociais – para facilitar sua ascensão, tanto material (com critérios e parcimônia), mas, principalmente, espiritual, embasada, de preferência, no nobre sentimento da cooperação.
Disso decorre a necessária simbiose que aqui estamos defendendo, a exemplo do professor Sung, em obra citada, entre estreitar os laços da Teologia com os da Economia.
Para isso, urge construir algo mais: é preciso edificar um sistema econômico qualitativamente diferente do atual. Um sistema econômico que puxe o crescimento da economia e direcione suas benesses para consolidar a busca do que realmente importa: o desenvolvimento econômico.
Uma vez alcançado isso, que seja esse um desenvolvimento que não se limite a mera questão de fazerem os homens terem algo mais, mas, de serem mais.
Na verdade, fazemos alusão a um desenvolvimento que seja capaz de ser “o novo nome da paz”, parafraseando assim o papa Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio.
Quanto à Teologia, nessa mesma linha de contextualização, é importante frisar que essa se inscreve com força maior quando afirma, em definitivo, sua luta em defesa das comunidades carentes. Ao fazer isso, a Teologia está praticando um modo de economia social, principalmente quando reitera a necessidade da comunhão e cooperação entre os mais necessitados.
Esse tipo de economia social praticado pela teologia humana e caritativa visa, unicamente, levantar do chão o homem ali derrubado pela miséria, sabendo ser esse uma vítima potencial das constantes e crescentes injustiças econômicas.
No que toca aos termos da Economia, é forçoso enaltecer ainda que somente alcançando-se o desenvolvimento – e nada mais – conseguir-se-á tornar o homem livre.
Conquanto, cabe reiterar que essa liberdade aqui defendida como peça-chave da Teologia e da Economia, em certo sentido, tende a se firmar ao assumir o compromisso de colocar as pessoas em primeiro lugar, e de fazer com que a economia e a teologia sirvam as pessoas, e não o contrário.
É importante não perder de vista que as aspirações, tanto da economia social quanto do pensamento cristão, é, essencialmente, resgatar as pessoas para a vida; para uma vida plena, sem injustiças ou amarguras.
Na essência, espera-se que tanto a Economia quanto a Teologia cumpram, de fato e de direito, as palavras de Jesus, proferidas um dia antes de sua crucificação: “Que todos sejam um só”.
(*) Publicado pela Fonte Editorial, 2008.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo.
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