O conto dos Irmãos Grimm já tem mais de 400 versões vindas de todas as partes do mundo.
Branca de Neve, um conto da tradição oral alemã da Idade Média (Foto: Divulgação) |
Por Marco Lacerda*
O conto Branca de Neve, na versão original dos irmãos Grimm, guarda algumas diferenças das muitas versões que se popularizaram antes e após a compilação feita por eles em seu livro. No início da história contada pelos Grimm, uma rainha costurava, no inverno, ao lado de uma janela negra como o ébano.
Ao lançar o olhar para a neve, picou o dedo com a agulha, e três gotas de sangue pingaram sobre a neve, o que a deixou admirada e a fez pensar que, se tivesse uma filha, gostaria que fosse "alva como a neve, rubra como o sangue e com os cabelos negros como o ébano da janela".
Não tardou, e a rainha teve uma filha de descrições idênticas ao seu pedido. Mas, tão logo sua filha veio ao mundo, a rainha morreu. O pai deu à filha o nome de Branca de Neve, e logo tornou a casar com uma mulher arrogante, esnobe e vaidosa, dona de um espelho mágico que sabia de tudo e só falava a verdade, ao qual perguntava todos os dias:
— Espelho, espelho meu! Existe no mundo alguém mais bela do que eu?
— És a mais bela de todas as mulheres, minha rainha!, — respondia obedientemente o espelho.
O ritual se repetiu durante anos, até o dia em que a perversa rainha ouviu uma resposta inesperada para sua pergunta:
— Sim, minha rainha! Branca de Neve é agora a mais bela!
Como uma Maria de Fátima, de Vale Tudo, a rainha, ofuscada, tomou suas providências. Antes, porém, é importante lembrar que Branca de Neve é um conto da tradição oral alemã surgido na Idade Média, compilado pelos Irmãos Grimm e publicado entre os anos de 1812 e 1822 no livro ‘Contos de fada para crianças e adultos´
Uma lenda com três séculos
Quem digitar Branca de Neve no Google e selecionar a opção “imagem”, terá de percorrer 13 telas para, enfim, encontrá-la sem o carimbo “Disney” na foto. Seja em filmes – os primeiros de animação produzidos pelo estúdio – ou qualquer outro formato (livros, cromos, disfarces) na imaginação coletiva só existe uma bela dama de cabelos pretos adornados com uma fita vermelha, saia amarela, corpete azul com ombreiras e capa. Não existe carnaval ou festa de aniversário infantil sem a Branca de Neve da qual os estúdios Disney se apropriaram como se fossem seus verdadeiros criadores.
Em versões mais recentes, porém, a protagonista do conto dos Irmãos Grimm não é tão pudica como a apresenta Hollywood. Uma delas, ‘Branca de Neve e o caçador’, estrelada por Kristen Stewart, é uma adaptação sombria do original com muito pouco das histórias de ninar e muito de uma história de horror capaz de tirar o sono de qualquer criança. Já na versão protagonizada por Lily Collins, ‘Um sonho possível’, Branca de Neve aparece como uma guerreira armada com uma espada para enfrentar uma rainha perversa (Julia Roberts) determinada a seduzir o jovem príncipe que, além de belo e rico, poderia manter os gastos da vaidosa vilã. Nem os sete anões ficaram intactos e se transformam num verdadeiro catálogo étnico de uma Hollywood disposta a agradar a gregos, troianos, asiáticos e latinos.
No filme ‘Branca de Neve’ Charlize Theron empresta sua beleza estonteante e seu talento ao estereótipo da vilã no cinema, a madrasta malvada, uma mulher que no conto original usa disfarce e fala com espelho. Na pele de Theron a personagem aparece com mais poderes do que o incrível Hulk, desferindo golpes de kung-fu assessorada por sete anões ninjas disparatados.
Branca de Neve tem 300 anos de idade, pouco tempo para um conto de fadas, mas conserva um legado oral multicutural com uma 400 variantes documentadas na Europa, América, Ásia, África e Caribe. Pelo andar da carruagem, não tardará muito até que o mundo passe a se referir à personagem como uma bela jovem de pele branca como o nada e lábios vermelhos escorrendo sangue.
"Branca de Neve" - Veja um trecho do filme:*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.
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