terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Segredo de Monsanto: uma história de Natal

Um episódio real, tirado do meu diário de viagens, contado para ninar um garotinho de quatro anos.


Monsanto, a aldeia mais portuguesa de todo o país.
Por Lev Chaim, de Amsterdã*

Foi a história que contei ao nosso pequeno hóspede, um garotinho de quatro anos, filho de um casal amigos. Os pais estavam na Itália. Antes de dormir, ele queria  sempre ouvir algo interessante. Ele não queria histórias de livros, mas verdadeiras. Esta abaixo, tirei do meu diário de viagem à Portugal, de um ano e meio atrás. Assim, ela começou:

O sol já se punha quando eu e o meu amigo Yael chegamos à aldeia de Monsanto, no nordeste de Portugal, junto à fronteira com a Espanha, de onde se avistava as terras de Dom Quixote. Situada na encosta de um montanha rochosa, há 758 metros de altitude, Monsanto impressionava pela sua arquitetura primitiva – um amontoado de casas de pedras que se confundiam com as rochas, entrelaçadas por ruelas estreitas, curvas, que subiam rumo às ruínas do antigo castelo. Tudo parecia pedra sobre pedra.

É um local muito antigo, onde se registrou a presença humana desde o período paleolítico. Vestígios da presença romana, visigótica e árabe também foram ali encontrados. Sabe-se que D. Afonso Henriques (antigo rei de Portugal) conquistou Monsanto aos mouros e em 1165 doou a aldeia à Ordem dos Templários. Foram eles que construíram o antigo castelo – uma espécie de fortaleza para proteção contra as invasões estrangeiras.

Mesmo com todas essas informações, ainda não descobrimos porque se fala que Monsanto é a aldeia mais portuguesa de todo o país. O que ficou claro desde o início é que aqui se podia fazer uma viagem no tempo, onde tudo parecia ter ficado com antes, sem qualquer tipo de mudança. 

Quando entramos na pousada, onde ficaríamos, localizada logo no início da aldeia, o sol já havia se posto e as estrelas já estavam no céu. Anoitecia rápido. Eu e Yael não tivemos que brigar por um quarto com vista panorâmica, já que além da gente, só havia mais um hóspede, um senhor austríaco.

A vista da varanda do nosso quarto era de perder o fôlego:o enorme vale lá embaixo e ao fundo a Serra da Estrela – a cadeia montanhosa mais alta de Portugal. Deixamos a mala no quarto e fomos direto para a rua. O objetivo era sentir a atmosfera noturna do local. Depois de alguns passos pelas ruelas, sentimo-nos observados através das frestas das janelas entreabertas. Pareciam que os olhos de Monsanto nos espreitavam enquanto caminhávamos pela aldeia. Sentindo-nos um pouco intrusos e resolvemos voltar à pousada.

No café da manhã (pequeno almoço, como se fala em Portugal), encontramo-nos com o austríaco. Era corredor amador de maratonas, que estava ali para treinar a sua condição física. Trocamos algumas palavras em inglês e ele só fez elogios a Monsanto. Logo em seguida, ele saiu para o seu treino diário. Íamos ficar apenas três dias e ele uma semana. Após o café da manhã, saímos em direção às ruinas do castelo.

Pelo caminho, encontramos muitas mulheres e homens idosos, sentados em bancos de pedras, nas ruelas, ao longo dos muros de suas casas. Quase todas as mulheres vestiam preto. Eles respondiam tímidos ao nosso sonoro bom dia, talvez admirados de falarmos a sua língua. Provavelmente, eles já deveriam saber que vínhamos da Holanda, através da porteira da pousada, que morava no vilarejo. Agora, tornamo-nos os holandeses que falavam o português.

À tarde, ao descer das ruínas do castelo, cruzamos de novo as ruelas da aldeia. Para o nosso espanto, havia uma grande festa na pracinha da Matriz. Era o aniversário de cinco anos do Paulinho - o único menino de Monsanto, que estava sendo criado pelos avós, como soubemos logo em seguida. Os pais do garoto, como quase todos os mais novos da aldeia, trabalhavam na cidade portuguesa de Castelo Branco, há alguns quilômetros ao sul dali.

Até o pároco local e alguns sanfoneiros vieram falar conosco durante a festinha. Todos estavam alegres, totalmente diferentes da noite anterior, quando nos sentimos espionados pelas frestas das janelas entreabertas.

Até mesmo o austríaco estava ali. Quando ele nos avistou, veio logo conversar. Era um senhor de barba branca, curta, por volta dos cinquenta e cinco anos bem conservados, cabelo loiro, curto e olhos azuis profundos. Falava calmo e inspirava confiança. Apesar não falar o português, ele também havia sido convidado a ficar na festa.Bebemos suco de frutas por conta do aniversário do Paulinho.

Qual não foi o nosso choque, ao descobrir que o aniversariante era mudo. Todos o chamavam de "o mudinho de Monsanto". E por isto mesmo que o nosso espanto foi ainda maior quando, em uma determinada hora, o ouvimos gritar aos convidados que iria contar um segredo. O silêncio foi total. Todos em transe, principalmente os locais, pararam para observar a cena.Paulinho se aproximou do ouvido esquerdo do austríaco e sussurrou-lhe um segredo. Parecia um filme em câmara lenta.

A cena durou alguns segundos que pareceram horas. Depois, Paulinho juntou-se aos avós. Os aldeões, estupefatos, viraram-se para o austríaco com uma só pergunta nos lábios: "o que ele havia dito?". Nervoso com a situação, o pobre homem respondeu, em inglês, que não podia contar pois era segredo. Quando traduzimos para o português o que o austríaco havia dito, todos se voltaram para Paulinho. Este, orgulhoso, só movia a cabeça de um lado para outro, como quem dizia: "Também não vou contar nada".

Mais tarde, já na pousada, a nossa curiosidade subiu aos pícaros. O austríaco nos confessou finalmente que Paulinho lhe havia realmente sussurrado algo, mas em português, que ele não entendeu nada. E não é que aquele segredo de Monsanto, desta forma, ficou mesmo bem guardado. Mas, uma coisa mudou ali na aldeia. Depois do episódio, ninguém mais o chamou de “o mudinho”. Agora, era apenas Paulinho.

O meu pequeno hóspede, que deveria, que já estar dormindo no final da história, estava mais aceso do que nunca. Com os olhos estatelados, ele me perguntou: "E o Paulinho, depois daquele dia falou mais coisas? Qual era o segredo". Respondi que só o Paulinho sabia.E complementei que quando ele crescer, poderá dar um pulo lá e perguntar ao própria Paulino. Ai ouvi uma coisa engraçada: "Gostei da história Lev, tem suspense e é mesmo uma história de Natal!".
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Rádio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve às terças-feiras no Dom Total.

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