terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Presente de Natal

Com a moda dos 'presentes úteis', os velocípedes foram substituídos por guarda-chuvas.



O menino hoje passeia sob a Serra do Curral com seu guarda-chuvas: presente útil. (Foto: Arquivo)
Por Celso Adolfo*

1966. Durango era o apelido dele, menino em São Domingos do Prata, sua terra. Filho de Sô Zequito Eletricista, viu o seu pai perder o emprego na usina elétrica municipal e ser transferido para o serviço burocrático da prefeitura. Músico, Zequito tinha habilidades que rimavam: era eletricista, clarinetista, saxofonista, violonista, irmão de dentista,aos nove anos era violinista.

Durango nada sabia da arte a partir de um objeto qualquer. Achava bonitos os isoladores de cerâmica, de vidro, e as ferramentas dos eletricistas da capital vindos a mando da Cemig para modernizar a distribuição de energia elétrica. Anunciada a inauguração da iluminação para as 18h de um determinado dia, fiat lux! São Domingos do Prata saía da escuridão dos "tomates nos postes". E a cidade gritou de susto e contentamento.

Tudo era raro na cidade naquele 1966. Jornal, revista, geladeira. Só rádios eram muitos. Na casa de Durango, o imponente Telefunken de oito faixas de onda foi trocado por um revolver 22, que foi trocado por uma fechadura muito antiga, que foi trocada por sabiá, que..., que foi solto, numa incrível e reconhecida manobra comercial do seu pai.

O telefone chegaria naquele mesmo 1966. Os números eram assim: 12, Zé de Barros. 17, Dr. Matheus. 03, Dona Ita. 14, Loja dos Mendes. Durango não tinha telefone em casa. Uma antena de captação de sinais tv seria instalada. Instalaram um aparelho de televisão no Alto dos Papagaios e todos subiram para "ver televisão". Viram chuvisco. Mas não houve decepção. Um tempo depois, as imagens,que os tubos das tvs esticavam e arredondavam, apareceriam trazendo as novidades do mundo.

No Natal daquela década os meninos ganhavam uma coisinha qualquer. Aos bolsos do eletricista e da sua mulher, a costureira Dona Daíca, tudo custava nove vezes mais. O que ganhassem era para nove filhos.

Com a invenção dos "presentes úteis", muitos meninos ganhavam guarda-chuvas.E o dia 25 era triste diante daqueles que ganhavam velocípede ou autorama.

O bom velhinho que saía da Lapônia chamando-se Joulupukki, seu nome em finlandês. Em inglês, era Father Christmas ou Santa Claus. Chegava em São Domingos do Prata traduzido: Papai Noel. Certa vez, Joulupukki deixou uma "manzana argentina" nos sapatinhos de Durango.

1966 foi um dos anos de "presentes úteis", e Joulupukkileva um guarda-chuvas para Durango. Em pé, o embrulho parecia uma espingarda de chumbinho. Não, não era espingarda. Menino de calças curtas, Dona Chiquinha achava que Durango era lindo e bom, e isso bastou para que ele e o seu guarda-chuvas descessem a rua (e andasse o resto de 1966) com a confiança que o sapato envernizado e Dona Chiquinha lhe davam. E pediu que chovesse. E choveu. Protegido pelo presente útil e os dulcíssimos olhares de Dona Chiquinha, Durango amou o seu primeiro guarda-chuvas, passando a amar a todos eles desde então.

Crescido, ele ainda gosta de passeios nesta época do ano e anda a pé, e em Dezembro emociona-se com facilidade. Olhando pros lados ou para dentro de si, quase alcança o menino de 1966, antigo e bom.

Neste Dezembro de 2013, Venício Quirino ouviu parte desta história e deu a Durango um guarda-chuvas de cabo de madeira. Durango saiu para curvar-se à chuva ao pé da Serra da Curral. Passeou, pensou, voltou bem. Ele que queria amar todas as matérias, mas ouve mais música e os sons naturais e com eles se entende.

Dezembro é mês em que tudo (tristeza, alegria, perdas, ganhos) se acomodam nesse menino, mas ele não adianta definição ou sensação a nada. Passeia, pensa, entre dúvidas e certezas, tocando as coisas que o levaram ao pé da Serra do Curral sob o seu guarda-chuvas, presente útil , presente de natal.
*Celso Adolfo é compositor.

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