domingo, 5 de janeiro de 2014

Aos 90 anos, Barbara Heliodora deixa a função de crítica de teatro em meio a elogios


RIO — Algumas despedidas podem ser dolorosas, carregar mágoas e ressentimentos. Mas Barbara Heliodora fala de sua aposentadoria como crítica de teatro, atividade que exerce há mais de 50 anos — os últimos 23 deles nas páginas do GLOBO — com um certo alívio.
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— Escrevo sobre peças desde 1957. É muito tempo de dedicação. Acho que já chega — diz Barbara, sentada na sala de sua casa, no Largo do Boticário, cercada de livros e retratos que denunciam sua paixão pelos palcos. — Estou com 90 anos. Já não tenho mais fôlego para ir ao teatro várias vezes por semana e escrever sobre o que assisto. Ficou um pouco pesado para mim.
Na cadeira a seu lado está Macksen Luiz, que assinou resenhas teatrais para as revistas “Visão”, “Manchete” e “Isto É", antes de se tornar crítico do “Jornal do Brasil”, entre 1982 e 2010. A partir de agora, ele assume a função até então exercida por Barbara no GLOBO, a de avaliar semanalmente a produção teatral carioca — e, por extensão, a brasileira.
— Sempre achei o trabalho do Macksen muito interessante. É um crítico que respeito muito. O jornal sai lucrando, foi uma bela escolha — elogia a senhora de cabelos acinzentados. — Posso me gabar de meus sucessores. Quando saí do “Jornal do Brasil”, nos anos 1960, entrou Yan Michalski (1932-1990). Agora, saio do GLOBO e entra Macksen. Tenho orgulho de ter sucessores de qualidade.
Macksen, que continuará alimentando o seu blog sobre a cena teatral (macksenluiz.blogspot.com.br), lamenta que Barbara tenha decidido se afastar da crítica semanal.
— Sempre encontrei Barbara em estreias. Mesmo em momentos em que a saúde estava um tanto frágil, ela acompanhava a temporada inteira. O teatro vai perder esse caráter de espectadora contumaz dela — retribui o crítico.
Os dois passaram as últimas décadas encontrando-se em espetáculos pela cidade — das experimentações de José Celso Martinez Corrêa a revisitações de clássicos de William Shakespeare, o favorito de Barbara e que inspirou os seus livros “A expressão dramática do homem político em Shakespeare” (Paz e Terra) e “Falando de Shakespeare” (Perspectiva). Nunca alimentaram qualquer tipo de rivalidade, mesmo em publicações concorrentes.
— Nós nos respeitávamos muito. Desenvolvíamos trabalhos paralelos, mas, eventualmente, chegávamos a trocar opiniões sobre o que acabáramos de assistir — lembra Macksen. — Talvez tenhamos linhas de trabalho diferentes, mas o rigor analítico é comum a ambos.
— Mas sempre trocamos impressões de maneira discreta, porque cada um tinha um compromisso com o seu veículo — observa Barbara. — Às vezes, o resultado do que víamos era tão óbvio, para o mal, que não dava para não dizer um para o outro: “Pôxa, que horror!” (risos).
Conhecida por suas análises afiadas, que inspiraram reações iradas de diversos encenadores , Barbara ganhou alguns desafetos ao longo das últimas décadas. Estes não ficarão totalmente em paz, já que, como a crítica explica, sua aposentadoria é parcial: ela continuará fazendo eventuais contribuições para o jornal, mas sem o compromisso da crítica diária.
Novos projetos
Professora de história do teatro por mais de duas décadas, tradutora de 35 das 37 peças escritas por Shakespeare, ela dedicará o tempo extra a uma de suas paixões paralelas: a tradução. Sua maior ambição na área, no momento, é debruçar-se sobre “Le Cid”, do dramaturgo francês Pierre Corneille (1606-1684), um de seus autores preferidos.
— Os autores ingleses, mesmo os que escrevem em versos, são facílimos, se comparados aos franceses. Já traduzi “O misantropo”, do Molière, construído com versos alexandrinos rimados, uma dificuldade só. Mas a peça do Corneille é uma maravilha! — entusiasma-se.
Ex-atriz que desistiu da atuação para dedicar-se aos estudos de teatro, Barbara prepara-se também para voltar a dirigir uma peça, mas na função de consultora. Alegando que “não tem mais saúde para subir e descer de um palco”, convidou Bruce Gomlevsky para auxiliá-la na encenação de “Timão de Atenas”, baseada na montagem feita pelo National Theatre de Londres em 2012.
Acostumada a receber elogios de leitores agradecendo por seus textos, que serviram de orientação para o que deve ou não ser visto, Barbara não vê a hora de assumir o seu papel de mera espectadora.
— A frequência com que irei ao teatro vai diminuir. Agora, vou esperar o Macksen escrever para escolher o que ver. Desta vez quem vai se beneficiar da crítica jornalística sou eu! (risos)

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