Cada vez, Francisco dá maiores contornos de uma visão de Igreja em movimento.
A partir do momento em que subiu no palco mundial como papa há menos de um ano, Francisco pôs o mundo a girar com as especulações sobre o que exatamente ele estava fazendo e aonde iria levar a Igreja.
Como um mestre na arte dos quebra-cabeças, distribuindo pistas do todo que apenas ele sabe o que é, o papa Francisco parece estar confortável ao nos deixar ficar sabendo de suas ideias aos poucos. Corremos o risco de perder informações centrais da ideia mais ampla, se acaso fizermos muito barulho com questões discretas.
Desde o início, o papa tem usado a linguagem do movimento, da viagem, do correr o risco, de não ter medo de cometer erros. Ele cada vez dá maiores contornos de uma visão de Igreja em movimento, existindo mais autenticamente não apenas fora do santuário e das estruturas seguras da instituição, mas também de uma Igreja nas margens da sociedade.
Mais recentemente, temos por parte do padre jesuíta Antonio Spadaro – editor da revista La Civiltà Cattolica – um relato detalhado do diálogo do papa com líderes das ordens religiosas masculinas reunidos em Roma, ocorrido em novembro. Isso parece ser um outro segmento importante do quebra-cabeças que, embora talvez não seja tão aparente quanto outros elementos, é fundamental para o resto. Desde o começo, o papa vem vagarosamente desmantelando aquela parcela da cultura clerical que levou ao sigilo destrutivo, à corrupção e à falta de prestação de contas.
O diálogo com os Superiores Gerais foi uma troca informal de ideias, e ao ler o relato do Pe. Spadaro podemos ter uma ideia de que mais e mais pessoas em tais situações, acostumadas a certa formalidade no passado, estão se sentindo confortáveis com um papa que não tem medo de um diálogo franco, com perguntas reais e de falar da fragilidade humana.
Ao passo que a troca foi claramente dirigida aos líderes religiosos e bispos, Francisco é experiente o suficiente para saber que avaliações francas e sem rodeios são bálsamos àqueles nos bancos que pensam o mesmo na interioridade, mas que nunca esperaram serem representados por alguém no topo da liderança da Igreja.
As manchetes derivadas de seus comentários não foram apropriadas. Afinal, neste caso foi o papa alertando para a “formação como uma obra de arte, e não como uma ação policialesca” e para o que o resultado não fosse a criação de “pequenos monstros”. Quantos de nós sentados nos bancos reconhecemos tais “monstrinhos” ou quantos de nós têm paróquias desmanteladas por sacerdotes que “têm o coração tão ácido quanto o vinagre”?
Uma conversa como essa seria difícil para qualquer grupo parar e ficar ouvindo. Porém, o papa Francisco também falou longamente sobre a necessidade da ternura, do perdão. Ele distinguiu entre pecado e corrupção. "Pecadores são aceitos (dentro da vida religiosa), mas não pessoas corruptas”.
O diálogo – ao qual incitamos todos a lê-lo por completo – contém insights profundos sobre a natureza humana e a realidade da vida em comunidade. Tal como ele tem feito em outras ocasiões, Francisco falou bastante sobre o que é necessário para se ter uma convivência saudável. Ele compreende que, num nível profundo, reparar elementos da instituição que têm causado à Igreja muita dor de cabeça nos últimos anos irá exigir mais do que restaurações administrativas ou realinhamentos estruturais. Ele aconselhou aos que participavam no encontro a não terem medo do conflito, nem de buscarem ajuda psicológica quando necessário.
O papa alertou contra o fato de ser a vida religiosa tomada como uma válvula de escape de um “mundo difícil e complexo”. Enfatizou a necessidade do diálogo em várias partes da conversa e condenou aquele tipo de hipocrisia – pensar uma coisa mas dizer outra a fim de conseguir algo adiante –, que é o “fruto do clericalismo, um dos males mais terríveis”.
Ademais, o papa está convencido da necessidade de se "conhecer a realidade via experiência, de se passar certo tempo caminhando pela periferia buscando se familiarizar com ela e com as experiências das pessoas. Se acaso isso não ocorrer, então corremos o risco de sermos ideólogos abstratos ou fundamentalistas, o que não é saudável".
Em suma, um bom conselho para a Igreja em geral, para o laicato e para os sacerdotes.
National Catholic Reporter, 14-01-2014.
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