domingo, 26 de janeiro de 2014

Incluídos na produção, excluídos do consumo



Os metalúrgicos fabricam carros de luxo mas, em geral, jamais irão guiar um. (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira
Dos metalúrgicos que fabricam carros de luxo a alto custo; mas, em geral, jamais irão conhecer a sensação de guiar um desses

A exclusão social brasileira parece realmente ser bem diferente das demais exclusões mundo afora. No Brasil, não se concentra só a renda e a riqueza; se concentra também os privilégios e os benefícios. É por isso que a desigualdade, além de promover a exclusão propriamente dita, gera dificuldades e nega constantes direitos. Os privilégios são para poucos; a negação de direitos, para muitos. 

A “nossa” exclusão social parte da constatação de uma situação inusitada e desleal: há no Brasil os que são incluídos na produção, mas permanecem excluídos do consumo. Produzem, mas não compram.

De que forma isso acontece? Aqueles que conseguem trabalho, independente das condições em que exercem seus ofícios e auferem rendimentos, podem ser considerados os “incluídos” na produção – pois ajudam com seus afazeres a dinamizar o processo produtivo. 

No entanto, esses mesmos inseridos na condição de “consumidores” se convertem em “excluídos” do consumo, pois os baixos rendimentos, em geral, impossibilitam o acesso aos bens e serviços produzidos na economia de mercado. 

O sistema econômico, por vezes, é tão perverso que “usa” o mesmo indivíduo em duas situações distintas. Primeiro, o “inclui” no ato produtivo e, em caso de não lhe entregar poder de compra (nível salarial) suficiente, compatível com um nível médio de subsistência, logo o descartará; o “excluirá”. Exemplos disso: essa é basicamente a situação dos trabalhadores braçais da construção civil que constróem escolas e universidades, mas, em geral, por não possuirem condições financeiras suficientes não conseguem matricular seus filhos; portanto, são “convertidos” na condição de “excluídos”, excluindo os filhos, nesse caso, embora, no ato de levantar escolas e universidades, esses trabalhadores lá deixaram muito esforço físico.

Assim também é a história peculiar dos metalúrgicos que fabricam carros de luxo a alto custo; mas, em geral, jamais irão conhecer a sensação de guiar um desses. De igual maneira é a situação do trabalhador que fabrica os modernos aparelhos de ar condicionado. No verão escaldante, por lhes faltarem recursos suficientes para a aquisição desse tipo de produto, não conhecerão o frescor causado pelo uso de desses aparelhos. 

Essa é também a situação específica do operário da construção civil responsável por erguer prédios residenciais de elevadíssimo padrão. Depois de levantados esses prédios, caso esse operário venha a encontrar emprego num desses condomínios de luxo – uma vez que residir num desses será quase impossível – lhe será reservado, com “exclusividade”, os elevadores de serviços, para que não se “misture” aos moradores que utilizam os elevadores sociais. 

Aliás, nesse pormenor, o Brasil é um dos poucos países em que a engenharia civil faz questão de deixar sua marca para também contribuir com a exclusão social. Faz isso em relação aos elevadores sociais e de serviços; diferenciando quem pode usar um e outro, e também faz isso em relação aos quartos de empregadas domésticas, nas residências modernas, que mais parecem gaiolas fechadas de tão pequenos e com pouca ventilação.

É assim que a exclusão social grassa e ganha volume dia a dia. Estamos num País que produz e exporta aviões, mas 1/3 das residências por aqui não tem água encanada. Se a agricultura aqui praticada já pode ser considerada como pertencente ao agribusiness, há também que se levar em conta que se agrega por aqui uma massa de 20 milhões de pessoas que passam fome diuturnamente num país continental, dono do quinto maior espaço agriculturável do mundo.

É nesse sentido que Celso Furtado (1920-2004) foi pontual ao afirmar que “o Brasil nunca se desenvolveu, apenas de modernizou, visto que desenvolvimento verdadeiro só existe quando a população em seu conjunto é beneficiada”. 

Esse antagonismo entre ser moderno e ser desenvolvido, ajudou a criar uma separação de castas, de classes sociais ao estilo marxista, desenvolvido no Brasil apenas para evidenciar as diferenças. 

É por isso que, de um lado, estão os ricos-milionários, em contraste aos pobres-miseráveis, da ponta oposta. Nas palavras de Cristovam Buarque, estudioso dos mais devotados a esse assunto, tem-se que: (...) “os primeiros vivem e desfrutam dos prazeres no luxo; os segundos se esforçam e acotovelam-se para pegar as sobras do lixo. A educação de uns vai até a universidade, a de outros não chega à alfabetização”.

Enquanto uns estão incluídos na produção, tantos e tantos outros se encontram excluídos do consumo.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

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