sábado, 25 de janeiro de 2014

Somos discípulos de quem ou de quê?

Devemos abandonar os nossos conhecimentos para seguir o Cristo hoje, assim como no tempo dos primeiros cristãos. É a única maneira de saber de quem ou de que somos discípulos hoje.

"É preciso buscar a Deus com o desejo de encontrá-lo e tendo-o encontrado, ter o desejo de ainda procurá-lo". (Santo Agostinho)
Por Raymond Gravel*

Hoje, o evangelista Mateus nos prepara o terreno para o Sermão da Montanha que teremos não no próximo domingo (26), por causa do calendário que cai este ano num domingo, mas em duas semanas, e vai até a Quarta-Feira de Cinzas. Jesus deixa Nazaré onde José se estabeleceu no seu retorno do Egito e vai morar em Cafarnaum, na Galileia, a encruzilhada dos pagãos. O que quer dizer que a Boa Nova não é reservada a uma elite, para poucos; ela é para todas as mulheres e homens, inclusive para os pagãos e os excluídos. Vemos muito bem que se trata mais da missão cristã após a Páscoa do que do compromisso profético do Nazareno, segundo a leitura do evangelho de Mateus.

Jesus e João Batista

No momento em que Mateus escreve seu evangelho, havia uma disputa entre os discípulos de João Batista e os de Jesus, para saber qual dos dois era o verdadeiro. Não é, por acaso, João que batiza Jesus? Jesus não era discípulo de João Batista? Era João ou Jesus o Messias? Mateus faz precisões:

1.Não há concorrência entre Jesus e João Batista. Os dois estão de acordo; eles têm exatamente a mesma mensagem: “Convertam-se, pois o Reino dos Céus está próximo” (Mt 4,17). E o próprio João Batista o anunciou: “Eu batizo vocês com água para a conversão. Mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. E eu não sou digno nem de tirar-lhe as sandálias. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11).

2.Jesus toma, portanto, a frente de João Batista e é a prisão desse último que serve de sinal (Mt 4,12). Há, portanto, continuidade, mas também ruptura...

3.Continuidade: preso, João é privado da palavra e é exatamente o momento em que Jesus toma publicamente a palavra. Também, João entra na prisão e Jesus sai às ruas. Não há interrupção. A missão de Jesus começa quando termina a de João Batista.

4.Ruptura: Jesus não recomeça João Batista; vai mais longe. Toma os seus caminhos. João Batista pregava no deserto; Jesus prega nas cidades. São pessoas de Jerusalém e da Judeia que vão ver João no deserto, isto é, os judeus mais fervorosos, os mais fiéis, os melhores discípulos da fé. Jesus, por sua vez, prega na Galileia, a encruzilhada das nações e a terra dos pagãos. O poder da Roma pagã instalou-se em Tiberíades, à beira do lago, ao lado de Cafarnaum onde se encontra Jesus. João foi ao deserto para encontrar Deus. Jesus nos diz que os verdadeiros desertos são as cidades. É no coração das cidades que deve bater o coração de Deus, porque as cidades são as pessoas; é o mundo. O deserto é vazio, a cidade é cheia de gente. A missão de Jesus é um povo, e o povo não mora no deserto, mas nas cidades e nos vilarejos. Não é, portanto, necessário ir ao deserto para encontrar Deus. É preciso ir ao mundo; é aí que Deus se encontra melhor. Ele mora com as pessoas, aí onde vivem as mulheres e os homens. Com Jesus passamos do monge do deserto ao padre operário e pastor da cidade.

5.O cumprimento de uma palavra profética: Mateus precisa também que a missão de Jesus está confirmada no Antigo Testamento: “Assim se cumpre o que foi dito pelo profeta Isaías” (Mt 4,14), passagem que lemos na primeira leitura de hoje, e que foi lida na noite do Natal: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). É evidente que para o profeta Isaías, tratava-se dos judeus deportados pelos assírios no oitavo século antes de Cristo, e a luz era o novo rei: Ezequias, filho de Acaz (que, infelizmente, não foi uma grande luz). Mas para Mateus, esse povo que caminha nas trevas são as nações, os pagãos que habitam a Galileia, e a luz, é o Cristo ressuscitado, o Messias, o novo rei.

Mas por que Mateus interpreta Isaías desta maneira, com tanta liberdade na sua atualização? A resposta é muito simples: Mateus dirige-se a cristãos que provêm, na sua maioria, da fé judaica e que acreditavam ter se enganado de Messias e de ter traído a fé dos seus antepassados, tornando-se pagãos... Citando o profeta Isaías, Mateus procura tranquilizá-los, dizendo-lhes que são fiéis à sua fé de origem. O que é fascinante nisso é a grande liberdade do evangelista Mateus em relação à Bíblia de seu tempo. Mateus faz nascer uma nova Palavra de Deus, ajustando um texto de Isaías à sua realidade e à realidade da sua comunidade cristã. Por que não podemos fazer isso hoje, sem sermos acusados de trair a Palavra de Deus?

Jesus e seus discípulos

O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “Jesus está aí. Ele anda pelas ruas da cidade ou do vilarejo. Ele passa por onde vivem as pessoas. Ele passa pelo nosso coração”. E é justamente ao passar que ele nos vê: “Jesus andava à beira do mar da Galileia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam jogando a rede no mar, pois eram pescadores” (Mt 4,18), que ele nos interpela e nos convida a segui-lo: “Jesus disse para eles: ‘Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens’” (Mt 4,19). E como se dirige ao coração, passa pelo coração, a resposta é imediata: “Eles deixaram imediatamente as redes, e seguiram a Jesus” (Mt 4,20). E diz a mesma coisa para Tiago e João; também eles deixaram seu pai (Mt 4,21-22). A missão cristã começou; ela consiste, não somente em ensinar, em anunciar a Boa Nova, mas também convida à ação, a agir: “Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo” (Mt 4,23). Não esqueçamos, sobretudo, que a doença e a enfermidade têm uma conotação de exclusão, de mal, de rejeição e de condenação.

Cristo e a Igreja

A Igreja nasceu deste encontro de mulheres e homens com o Cristo ressuscitado. Mulheres e homens que foram tocados no coração e que quiseram continuar a missão libertadora do Cristo Pascal. Mas atenção! Com o tempo, algumas pessoas, por causa dos seus talentos e do seu conhecimento, perderam de vista aquele que seguiram, isto é, o Ressuscitado. É o que Paulo denuncia, na segunda leitura de hoje. Na comunidade de Corinto há divisões por causa dos missionários do evangelho: “Eu me explico. É que uns dizem: ‘Eu sou de Paulo!’ E outros: ‘Eu sou de Apolo!’ E outros ainda: ‘Eu sou de Pedro!’ Outros ainda: ‘Eu sou de Cristo!’” (1 Cor 1,12). Poderíamos continuar: “Eu sou de Lutero ou da Rainha da Inglaterra ou ainda do Papa de Roma. E Paulo continua: “Será que Cristo está dividido? Será que Paulo foi crucificado em favor de vocês? Ou será que vocês foram batizados em nome de Paulo?” (1 Cor 1,13) Se anunciamos o mesmo evangelho, se proclamamos a mesma ressurreição e se compartilhamos a mesma salvação para todos, por que as doutrinas são mais importantes que o Evangelho? Por que não conseguimos verdadeiramente viver a unidade de todos os cristãos (lembremo-nos da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que começou na semana passada)?

Para fazer isso, basta que acolhamos as nossas diferenças e nos respeitemos mutuamente no Amor Agape. Recordemos simplesmente os valores humanos e cristão dos Evangelhos: o Amor, a Justiça, o respeito ao outro, a dignidade de todas as pessoas, o não julgamento, a partilha, o perdão, a reconciliação, a esperança, etc. Tenhamos a humildade de reconhecer a necessidade dos outros e a coragem de sair dos caminhos construídos ao longo da nossa tradição cristã e de tomar novos caminhos, inspirados no evangelho; novos caminhos que nos permitirão encontrar o Cristo hoje, ali onde vivem as pessoas e aí onde continua a pulsar o coração de Deus. Uma coisa é certa: devemos abandonar os nossos conhecimentos, as nossas certezas, as nossas riquezas e as nossas verdades feitas para seguir o Cristo hoje, assim como no tempo dos primeiros cristãos. É a única maneira de saber de quem ou de que somos discípulos hoje?

Pessoalmente, creio na possibilidade da unidade dos cristãos no dia em que todas as confissões cristãs, da Igreja católica romana às Igrejas evangélicas, passando por todas as denominações protestantes e as Igrejas ortodoxas não tiverem mais a certeza de possuir a verdade sobre Deus, mas trabalharem juntos, no respeito às suas diferenças, para restabelecer a justiça e devolver a dignidade a todos, sem nenhuma exclusão. Nesse dia, realizaremos sem dúvida o sonho de Cristo de chegar à unidade perfeita (Jo 17,23). Entretanto, não devemos esquecer que isso é assim não porque encontramos o Cristo, porque nos alimentamos da sua Palavra e porque Deus nos adquiriu uma vez por todas. Santo Agostinho disse: “É preciso buscar a Deus com o desejo de encontrá-lo e tendo-o encontrado, ter o desejo de ainda procurá-lo”.
Réflexions de Raymond Gravel.
*Raymond Gravel é padre da Diocese de Joliette, Canadá. A reflexão é baseada na leitura do 3º Domingo do Tempo Comum – Ciclo A do Ano Litúrgico (26 de janeiro de 2014).
Dom Total

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