terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A emergência de uma nova economia

Marcus Eduardo de Oliveira

“Não existe felicidade sem os outros” (T. Todórov)

Desigualdade, pobreza, fome, miséria, indigência, trabalho infantil e em condições análogas à escravidão. Concentração de renda, de terras, de riqueza e de poder. Esquemas de corrupção, instituições públicas desacreditadas, classe política, salvo raras exceções, sem mérito e crédito. Tráfico de influências, expansão da informalidade econômica. Nível salarial médio achatado, subemprego. Mercado de consumo para poucos privilegiados, sistema econômico desagregador e destrutivo da riqueza natural, elevados índices de exclusão socioeconômica.

Agregados econômicos pertencentes à esfera das finanças no centro do pensamento econômico, ao passo que o indivíduo (o ente primordial da economia) completamente esquecido dessa mesma análise. São esses alguns dos principais “sintomas” socioeconômicos que faz adoecer gravemente uma sociedade.

Parece não haver dúvidas que a raiz do desequilíbrio econômico das sociedades modernas reside, efetivamente, na existência das desigualdades sociais de múltiplas ordens.

Nesse pormenor, cumpre ressaltar especialmente que os índices de pobreza e de desigualdade econômica acontecem em momentos diferentes, e não são sinônimos. Entendemos que a segunda (desigualdade) determina à primeira (pobreza) provocando, por consequência, um desarranjo econômico.

Assim, temos pobreza por conta de, antes, termos desigualdade. Portanto, a desigualdade é, essencialmente, “fonte” geradora (e também alimentadora) dos índices de pobreza. Isso implica dizer que para acabar com a pobreza, faz-se necessário eliminar primeiramente os focos da desigualdade. Convém então identificar, a priori, aonde estão esses focos.

A escravidão e o latifúndio

A desigualdade estabelecida desde a chegada dos colonizadores europeus provocou uma espécie de “subproduto”, um desequilíbrio econômico e social que tem como origem duas chagas que marcaram tristemente a história de segregação social desse país: a escravidão e o latifúndio.

A história econômica do Brasil corrobora firmemente para isso. Não à toa, o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão e, por mais de cinco séculos, esse país ainda mantém, no bojo, uma estrutura fundiária praticamente intocada.

Desde 1888 os negros foram libertos do cativeiro; mas, ainda hoje, continuam “presos” aos baixos salários e, em muitos casos, assim como os mais pobres dentre os pobres, continuam “amarrados” aos latifundiários, numa subserviência sem precedentes.

A concentração de terras no Brasil é absurdamente uma das mais elevadas do mundo. Não por acaso, em pleno século XXI, escravidão e latifúndio continuam andando de mãos dadas, mantendo uma relação histórica de perversidades sem limites.

As terras continuam em poder de poucos. Três por cento do total das propriedades rurais do país são latifúndios (ocupando 56,7% das terras agricultáveis), de acordo com o Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Somente o Grupo CR Almeida, de propriedade do megalatifundiário Cecílio Rêgo de Almeida, possui 4,5 milhões de hectares, localizados na Terra do Meio, no Pará.

Como prova que, no Brasil, escravidão e latifúndio convivem juntos, registra-se que em apenas 11 anos, de 1995 a 2006, fiscais do governo federal conseguiram libertar 18 mil pessoas (em média, são mais de 1600 por ano, mais de 130 por mês, quatro trabalhadores a cada dia) que trabalhavam sob regime de escravidão em 1500 propriedades rurais. 

A busca por uma sociedade menos desigual

Fome, miséria, pobreza, opressão e exclusão social não podem, em plena luz da busca pelo desenvolvimento econômico e humano, serem expoentes de uma sociedade que por mais de 500 anos têm convivido com a exclusão social.

Uma sociedade de iguais se faz necessária para o bem de todos. O grande desafio que está reservado para a geração de brasileiros que ora chega ao mercado de trabalho é o de construir os alicerces de uma vida coletiva, com participação plena de todos, em busca de inclusão, mas de um tipo de inclusão bem fundamentada.

Incluir alguém que esteja sem emprego e moradia num sistema econômico que contribui para manter a exclusão, como faz o capitalismo moderno, é fazer “meia inclusão”. A inclusão verdadeira consiste em agregar os indivíduos e proporcionar a esses uma efetiva participação num sistema que lhes ajude no futuro a se manter mediante o próprio esforço.

Portanto, não é aceitável pensar em “inclusão” dentro do capitalismo financista a que estamos submetidos. Essa inclusão “diferenciada” deverá ocorrer sob outro patamar econômico; sob outra forma de “gerenciar” a atividade econômica. A economia solidária, cujas bases se assentam na cooperação, pode ser a porta de entrada dessa nova economia.

Ainda sobre os processos de exclusão, é importante notar que viver excluído é a pior situação reservada ao indivíduo. A vida não nos foi dada para que cada um se isole. Nascemos e convivemos em sociedade, junto a nossos pares.

A comunidade, a sociedade, a vida conjunta de cada um de nós precisa completar a tarefa maior: ser construída sobre o ideal da cooperação entre os pares visando à semelhança.

Ninguém consegue viver sozinho, isolado, restrito, à margem de tudo. Nem o sistema econômico é assim, pois esse interage com a natureza; muito menos a vida em comunidade, em “comum-unidade”. Os vários grupos que constituem o tecido social precisam se fortalecer nesse sentido. A cooperação – em lugar da competição - parece ser um dos caminhos mais viáveis para isso.

Esse sentimento que permeia a construção de uma sociedade de iguais tem pelo menos dois mil anos de história. A economia, enquanto “matriz” produtora e organizadora de bens e serviços, precisa ser pensada também nesse aspecto.

É o indivíduo que precisa ocupar o centro principal do pensamento econômico para organizar a sociedade em torno de uma cooperação-partilha; de uma economia social e humana, de uma economia que seja capaz de compartilhar, e não de excluir.

É justamente dessa forma que pensavam os economistas clássicos quando identificaram que a busca individual por melhorias provocaria, por osmose, uma melhora coletiva. Também os anarquistas enfatizaram o modo de vida coletivo, ao proporem a abolição da autoridade governamental, deixando as decisões a cargo da coletividade. Os marxistas não foram diferentes quando analisaram a emancipação da classe trabalhadora livre da opressão dos empresários.

De igual forma, também a Escola Austríaca de Economia, de cunho liberal, recomenda a ação humana como base para se buscar uma vida melhor. E assim recomendam todos àqueles que se identificam com a busca de uma economia assentada no bem-estar.

Enfatizando esse ponto: é necessário pensarmos numa nova economia mais solidária, com uma face mais humana, em que o coletivo predomine em lugar do interesse individual. Caso contrário, a ganância expressa na mais absoluta individualidade continuará ganhando esse jogo e estabelecendo, por primazia, uma conduta egoísta que em nada contribui para a prática da solidariedade e do bem comum.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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