sexta-feira, 7 de março de 2014

Conrad e a juventude

“Juventude”, do britânico Joseph Conrad, traça metáfora sobre a oposição entre o novo e o velho.

Por Carlos Ávila*

Amizade e familiaridade com o mar - a vida no mar - reúnem cinco homens num bar onde, entre garrafas de vinho, relembram suas antigas aventuras. Isso “na Inglaterra, onde homens e mar se confundem”. Um deles, chamado Marlow, narra sua primeira viagem ao Oriente: ele, então um jovem de vinte anos; o navio, um velho cargueiro, o Judea, uma “banheira” que era pura ferrugem e fuligem.

A partir dessa situação, uma conversa entre amigos de laços marítimos, Joseph Conrad (1857/1924)  – o grande escritor britânico de origem polaca, autor de clássicos como "Lord Gim" e "Coração das Trevas" (o livro que inspirou o filme “Apocalypse Now”), “Nostromo" e "Vitória" – desenvolve uma narrativa poderosa intitulada “Juventude” (Youth, também no original de 1898) onde o personagem Marlow, já maduro, conta uma experiência naval que marcaria sua mocidade e mudaria sua vida para sempre. A história tem forte base autobiográfica, como toda a obra de Conrad: ele trabalhou na marinha mercante por quase vinte anos, viajando para os mais variados destinos do Ocidente ao Oriente.

Embora seja um texto curto, tipo novela, "Juventude" (traduzido no Brasil por Flávio Moreira da Costa) tem alta voltagem dramática, onde a aventura ocupa apenas o primeiro nível da narrativa, que traz no seu âmago os conflitos e confrontos entre as naturezas humana e selvagem – marcas da literatura de Conrad. Afora isso, é também uma espécie de prosa metafórica, na qual se opõem o NOVO (um garoto já ocupando a posição de segundo-piloto, “um oficial realmente responsável”) e o VELHO (o deteriorado navio; o desgastado capitão de sessenta anos...). A certa altura, Marlow afirma aos seus companheiros de conversa: “O velho navio estava cansado. A juventude dele estava onde está a minha – onde está a de vocês que escutam essas peripécias. E que amigo atiraria a sua idade e o seu cansaço na cara de vocês?”. 

A fala do personagem de Conrad está carregada de saudade da “estúpida, encantadora e bela” juventude, impetuosa juventude que busca a satisfação a qualquer preço, sem medir as consequências. Mas é a narrativa de um fracasso, no caso, de uma sucessão de episódios que levam a um incêndio e a um naufrágio: “Ah! O esplendor da juventude! Ah, o seu fogo, mais ofuscante do que as chamas do navio incendiado, atirando uma luz mágica pela extensão do mundo, saltando audaciosamente para o céu – um fogo que será extinto pelo tempo, mais cruel, mais impiedoso, mais amargo do que o mar – e, como as chamas do navio incendiado, cercado por uma noite impenetrável!".
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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